Autor: Cédric Durand [1]
A abordagem neoschumpeteriana de Philippe Aghion – coautor de O Poder da Destruição Criativa (2021), entre muitos outros livros – teve uma influência significativa na política econômica europeia desde a virada do século. No mês de outubro, ele recebeu, com dois outros economistas, o Prêmio Sveriges Riksbank em memória de Alfred Nobel, o prêmio de maior prestígio na disciplina. O comitê que o escolheu para recebê-lo elogiou a sua suposta teoria sobre como a inovação fornece o ímpeto para o crescimento.
Qual é a natureza dessa teorização e quais são suas implicações? Talvez seja um momento auspicioso para refletir sobre o pensamento de Aghion, já que a França passa por uma crise política cujas origens podem ser rastreadas até as políticas econômicas impopulares que ele defendeu como conselheiro do presidente Macron.
A tese dominante da obra de Aghion, que se inspira em Schumpeter, que por sua vez herdou o tema de Marx e Rosa Luxemberg, é que a inovação é o motor do capitalismo e que a fonte do crescimento é a destruição criativa. “O novo substitui o velho”, como diz Aghion. O que o diferencia dos mentores é sua tentativa de modelar e medir esse fenômeno. De acordo com suas descobertas, o sucesso desse processo tem duas condições principais.
A primeira é a flexibilidade. Os mercados devem ser liberalizados para que as inovações levem a uma reorganização efetiva das forças produtivas, resultando em aumento da atividade econômica. A segunda, no entanto, é um limite à concorrência; se há excesso dela, isso inibe os inovadores. Estes devem ser encorajados com uma baixa tributação do capital e fortes direitos de propriedade intelectual. Se isso gera desigualdade, é um mal necessário. E essa consequência tem de ser aceita; “eu a aceito”, disse Aghion.
Mas, os seus estudos enfrentam um problema. Pode ter havido crescimento de patentes nas últimas décadas – o indicador preferido da Aghion para medir a inovação – mas o crescimento econômico como um todo está diminuindo. E assim, ele se pergunta: por que essa aceleração da inovação não se reflete nas tendências de crescimento e produtividade?
A sua primeira linha de defesa foi insistir que o crescimento é de fato forte e que a teoria é boa e segura – e que o nó da questão está em como ele está sendo medido. Ora, Michel Husson efetivamente refutou essa tentativa como manipulação estatística (veja-se a transcriação do resumo de seu artigo abaixo publicada). Mais tarde, ele reconheceu que o crescimento, mesmo que seja maior do que os índices padrão sugerem, tem uma tendência de cair.
Aghion então apelou para uma série de explicações ad hoc para a correlação vacilante entre inovação e produtividade. Primeiro, ele propôs que ao subestimar a produtividade, exagera-se na medida da inflação. Como resultado, as taxas de juros são postas em níveis muito altos e o investimento público em níveis muito baixos. Ou, talvez, seja o contrário – o crédito é vendido muito barato? “A desaceleração do crescimento da produtividade na maioria dos países desenvolvidos desde a década de 1970, argumentou ele , “poderia de fato estar parcialmente ligada a uma redução nas restrições financeiras, por meio de efeitos de realocação”.
Em outras palavras, as taxas de juros estão muito baixas, o que tem levado a uma má alocação de capital. Em seguida, o problema passou para as “bigtechs”: a política de concorrência se tornou inadequada na era dos algoritmos. Em última análise, Aghion sugeriu que problema está no governo – e, asso, tudo (quase) de volta à estaca zero: não há reforma estrutural suficiente, não há liberalização suficiente e, ademais, há muito monopólio em tecnologia – ou seja, o conjunto dessas barreiras está sufocando as energias criativas dos empreendedores.
Há, no entanto, muitas razões para acreditar que a liberalização, a inovação e o crescimento não andam necessariamente de mãos dadas. Embora a ideia geral de que o desenvolvimento econômico depende da relação entre tecnologia e instituições esteja correta, insights muito mais ricos podem ser encontrados em outros lugares.
Devem ser buscados nos sistemas nacionais de inovação desenvolvidos nos anos noventa por economistas evolucionistas e marxistas como Richard Nelson, Chris Freeman, François Chesnais e outros, às vezes em diálogo com o trabalho de Benjamin Coriat e Robert Boyer e outros estudiosos da escola francesa de Regulação, os paradigmas tecnoeconômicos desenvolvidos por Carlota Perez e continuados por Mariana Mazzucato, ou a teoria das ondas longas de Ernest Mandel.
Este tipo de pesquisa transcende as aporias do pensamento de Aghion. Isso demonstra que não existe capitalismo empreendedor dinâmico no século XXI, preso como está entre a Caríbdis da competição coercitiva e a Cila das rendas monopolistas extrativistas. A vitalidade das economias maduras durante o boom manufatureiro do pós-guerra não pode mais ser facilmente revivida: os rápidos ganhos de produtividade daquela época foram altamente específicos e não são ostensivamente reproduzíveis. Se as capacidades de produção crescessem de acordo com a demanda, isso permitiria que lucratividade fosse sustentada, assim como, também, os aumentos dos salários reais.
No entanto, diante o acúmulo global de excesso de capacidade e de deficiências na demanda agregada resultantes das políticas neoliberais, esse dinamismo vacilou. Em um nível mais profundo, a crescente participação dos serviços no consumo – ela própria ligada à saturação dos mercados de bens padronizados – e a crescente importância dos intangíveis nos processos de produção tornaram o lucro menos previsível, aumentando a relutância em fazer investimentos fixos em muitos setores, deprimindo ainda mais a demanda.
Especialmente nessas circunstâncias alteradas, em vez de apoiar cegamente o empreendedorismo em nome da inovação tecnológica em si, os governos deveriam disciplinar o capital para que ele venha a seguir um caminho de desenvolvimento desejável e sustentável, deliberando sobre quais áreas devem ser priorizadas. Como a maioria dos países não está, por definição, na fronteira tecnológica, a mudança tecnológica abaixo da fronteira – ou seja, estratégias de imitação e capacitação em vez de inovação – é uma questão de extrema importância, que Aghion ignora quase totalmente.
A política industrial e a gestão da demanda, por um lado, e o forte apoio à educação pública e à pesquisa essencial, por outro, são as bases sobre as quais um sistema de inovação progressivo poderia ser construído no século XXI. O objetivo deve ser alinhar melhor a mudança tecnológica com as necessidades sociais, os limites do ecossistema e as aspirações e capacidades dos produtores, tendo em mente o legado das várias histórias do desenvolvimento nacional.
Armado com seu “prêmio Nobel”, Aghion foi, sem dúvida, encorajado a sustentar a sua crença de que suplantou Schumpeter. No entanto, ao contrário de seu antecessor austríaco, que tinha uma compreensão trágica da história econômica – moldada por crises profundas e forças contraditórias que se manifestam como conflito de classes – Aghion não tem uma teoria do capitalismo. Apesar da sofisticação de seus modelos, seus dados empíricos o levaram a um impasse intelectual.
Diante das convulsões de um sistema que ele luta para decifrar, ele dá voltas e reviravoltas para preservar a quimera de um capitalismo utópico no qual a desigualdade é o resultado aceitável da inovação. Décadas atrás, Fredric Jameson se referiu às “fantasias sobre a natureza salvadora da alta tecnologia”, as quais eram sustentadas pelos apologistas da era pós-moderna. Ao pregar que a tecnologia moldada pelo capital é o horizonte último do desenvolvimento, Aghion aceita implicitamente que a natureza, o trabalho e a sociedade em geral devem ser considerados variáveis de segunda ordem, subordinadas a um devenir técnico fetichizado. Doce música para os ouvidos dos poderosos.
Nota: [1} Publicado originalmente no site Sidecar, em 17 Outubro 2025. Cédric Durand é professor de economia política na Universidade de Genebra e membro do Centre d’Économie Paris Nord. Ele é autor de Fictitious Capital: How Finance Is Appropriating Our Future. .
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