Autor: Matthew McManus [1] (Segunda Parte. A primeira parte está aqui)
Curiosamente, a direita política foi a segunda, não a primeira, doutrina importante a surgir na época moderna. Isso pode parecer estranho, já que os conservadores muitas vezes se consideram defensores de valores mais antigos e duradouros do que os liberais e, certamente também, do que os socialistas. E, de fato, a direita política geralmente se baseia em autores da antiguidade e o faz mais intensamente que que nos liberais ou socialistas, quer se trate de Aristóteles, Confúcio ou as inúmeras vertentes do quase-tomismo.
Mas, como um corpo distinto de pensamento, a direita política moderna surgiu em resposta aos movimentos liberais e democráticos do século XVIII, os quais costumavam desconfiar das hierarquias políticas bem estabelecidas. Com a ascensão posterior do socialismo e seus apelos à democracia econômica e à redistribuição da propriedade, essas disputas se tornaram não só vigorosas como também, muitas vezes profundamente deletérias.
Essa capacidade de resposta ao agonismo, a “disposição reacionária”, como às vezes é chamada, significa que a direita política é muito mais eclética do que o liberalismo ou o socialismo. Isso às vezes é explicado como decorrente de diferenças teóricas. De acordo com Russell Kirk, ao contrário dos liberais e dos socialistas que estão comprometidos com princípios abstratos, o conservador quer se manter como uma disposição ou uma atitude cética diante do mundo.
Em On Being Conservative, Michael Oakeshott apresentou essa reinvindicação de uma forma nostálgica; ele alegou que “ser conservador… é preferir o familiar ao desconhecido, o experimentado ao não experimentado, o evidente ao mistério, o real ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao superabundante, o conveniente ao perfeito, o riso presente à bem-aventurança utópica.
Essa preferência pelo familiar e pelo “real” é de fato emblemática do pensamento conservador. É por isso que muitas vezes eles afirmam ser “realistas” de uma forma mais restritiva do que os liberais ou socialistas.
Assim, os intelectuais pertencentes à direita política são atraídos para a defesa das divisões de riqueza e poder existentes na sociedade. Ao fazê-lo, eles geralmente alegam que estão apenas defendendo o mundo tal como ele é, em vez de especular sobre um mundo “abstrato” (eis essa palavra novamente) ou utópico, um mundo que supostamente ainda vai se tornar realidade. Mas esse realismo não é muito denso, já que o mundo nunca simplesmente “é o que é”, mas está de fato sempre em processo de devir.
Quando Marx criticou os seus oponentes por seu “idealismo” filosófico, trata-se justamente disso que ele tinha em mente: os intelectuais de direita idealizam um estado de coisas que consideram um reflexo de alguma realidade mais profunda, natural ou sagrada e, por isso, resistem às tendências transformadoras, ou seja, aquilo que deixa para traz o que existe e foi cristalizado por meio da idealização.
Consequentemente, o suposto “realismo” mantido pela direita política muitas vezes acaba sendo uma espécie de idealismo sublimado. Ora, não é por acaso que os conservadores, desde Edmund Burke, sempre se sentiram atraídos por imagens e ideias estéticas e religiosas que pareciam sacralizar a ordem social – uma ordem que eles próprios preferem. Esse mundo idealizado vem a ser algo que deve ser sentido e venerado, em vez de questionado. Note-se como Joseph de Maistre apresenta essa demanda:
O governo é uma verdadeira religião: tem os seus dogmas, os seus mistérios e os seus ministros. Submetê-lo à discussão por parte dos indivíduos é a mesma coisa que aniquilá-lo. Ele subsiste apenas por meio da razão centrada nos valores nacionais, isto é, por meio da fé política, por meio de um credo. A primeira necessidade do homem é que sua razão incipiente seja contida sob esse duplo jugo, pois ou ela é assim rebaixada ou ela se perde como razão desmedida. Eis que a existência individual deve se configurar como existência comum, do mesmo modo que um rio que deságua no oceano sempre continua a existir como eterna massa de água, sem nome e sem se configurar como uma realidade distinta.
Consequentemente, aqueles que pertencem à direita em política sempre se sentiram desconfortáveis com a ideia do pensamento crítico universal e do livre debate de ideias, tão amado pela tradição liberal. O poder é preferencialmente sublimado em autoridade e, consequentemente, deve permanecer inquestionável ou, na melhor das hipóteses, justificado por meio de apologias. Qualquer esforço para intelectualizar o poder corre o risco de dessublimar a sua autoridade e de transformá-lo em questão trivial.
De fato, os conservadores querem descartar os intelectuais, desde os “sofistas, economistas e calculadoras”, em chave mais elitista, e até mesmo os “ungidos”, em chave mais populista. Muitas vezes, essa cautela em relação aos intelectuais vem a ser mais uma reação visceral do que o produto de um processo de pensamento; trata-se de uma espécie de resposta instintiva à aqueles que questionam a sabedoria apreendida, herdada e contida nas tradições e instituições conservadoras.
Às vezes, essa reação é teorizada de maneira bastante partidária e unilateral, como no livro Intellectuals and Society (Intelectuais e Sociedade) de Thomas Sowell. Poucos são tão honestos quanto Roger Scruton ao afirmar a razão principal: “o intelectualismo excessivo produz pessoas que se tornam relutantes em aceitar os problemas da vida e que buscam remédio por meio de ações políticas potencialmente radicais”. Em consequência, muitos conservadores preferem e ocasionalmente idolatram um povo que não reflete, “irrefletido”.
Há um instinto natural nas pessoas “irrefletidas” – elas são tolerantes com os fardos que a vida lhes impõe; não querem encontrar culpados nas coisas que não têm remédio, ou seja, buscam satisfação no mundo aceitando como ele é – para aceitar e endossar por meio de suas ações as instituições e práticas em que nasceram. Esse instinto, que tentei traduzir para a linguagem autoconsciente da doutrina política, está enraizado na natureza humana…
Ora, esse trecho é apenas um pouco mais eloquente do que a afirmação de Trump de que “ama” os incultos, mas o afeto é o mesmo.
Em momentos de quietismo político ou populismo, os intelectuais conservadores às vezes elogiam essas massas “irrefletidas” que sabem seu lugar e mantêm os trens funcionando no horário, muitas vezes contrastando-as com “elites” ingratas e ressentidas – o que normalmente significa intelectuais e ativistas liberais e esquerdistas. O problema surge quando esses mesmos intelectuais e ativistas liberais e esquerdistas convencem as massas por meio de sofismas abstratos e outras feitiçarias de que devem buscar soluções para seus problemas na mudança política e econômica.
Quando isso acontece, o povo rapidamente se torna uma “multidão suína” ou um “rebanho” tal como Nietzsche o batizou, impulsionado pelo ressentimento, pela inveja e por um desejo de perturbar as idealizações sublimadas da hierarquia caras ao coração conservador. Nesses momentos, a verdadeira ênfase da direita na manutenção de hierarquias de poder e riqueza torna-se mais exposta; corre um grande risco de aparecer como uma doutrina elitista e a favor da desigualdade, que naturaliza ou mitifica diferenças sociais que podem ser superadas por meio de uma reforma ou de uma revolução.
Essas diferenças podem assumir muitas formas: as diferenças de riqueza e status político foram as primeiras a serem criticadas pelos liberais e depois pelos socialistas. Mas, desde então, outras injustiças sociais, como as desigualdades de gênero, o status desigual dos indivíduos LGBTQ, a usurpação dos direitos das minorias étnicas e religiosas, as hierarquias raciais, a redução ou eliminação dos direitos dos migrantes e inúmeras outras causas igualitárias, foram reconhecidas na lista de direitos humanos que a direita política em um ponto ou outro procurou se opor.
Onde as ações para proteger esses direitos se tornam suficientemente evidentes, a direita política tende a se tornar autoconsciente e reconhecer a necessidade de refletir intelectualmente sobre sua hierarquia preferida para defendê-la. Esta é, em alguns aspectos, uma posição desconfortável, pois significa dessacralizar as hierarquias e torná-las abertas à análise e, consequentemente, à crítica.
Se a direita não adota essa atitude, ela cede aos liberais e socialistas a superioridade intelectual, os quais inevitavelmente a usarão para inspirar uma reflexão crítica que leve a demandas por reformas por muitos anos. Quando as mudanças estão ocorrendo, muitos à direita também adotarão posturas mais radicais que parecem estar em desacordo com sua afirmação usual de serem pessoas de moderação e reforma lenta. Isso será acompanhado por esforços, agora mais criativos, dos intelectuais conservadores para condenar o fracasso de outras elites em exercer suficientemente o poder e manter uma hierarquia que lhes parece mais adequada. Em seu auge, isso pode levar a apelos por uma revolução conservadora ou contrarrevolução.
Uma das razões pelas quais conservadores pós-modernos e iliberais, como Donald Trump e Victor Orban, vieram a se tornar tão populares foi a sensação de que muitos privilégios e muito status foram concedidos aos indignos. O seu sucesso deveu-se muito à sua capacidade de convencer os cidadãos de que muitas pessoas indignas – imigrantes, feministas, minorias – haviam furado a fila e obtido benefícios e vantagens exigidas pelo governo que não mereciam.
O mesmo aconteceu com Reagan e suas tiradas contra as “rainhas do bem-estar” na década de 1980. Quando ganhos expressivos foram alcançados por liberais e esquerdistas, a direita política poderá se levantar por projetos extremistas, tais como reformas radicais ou até mesmo esforços contrarrevolucionários diretos para criar o tipo certo de hierarquia social que julgam ser mais bem apropriada à sociedade.
[1] Professor de Ciência Política da Universidade de Michigan. Apresenta-se aqui uma tradução de seção da introdução do livro The Political right and equality- Turning back the tide of egalitarian modernity. Routledge, 2024. Nestes trechos, deve-se notar, a posição de direita no espectro político é explicitada e explicada.

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