Autor: Michael Roberts – The next recession blog – 26 de março de 2025

A declaração de primavera do governo do Reino Unido sobre gastos foi tal como esperada – realmente horrível. Primeiro, a chanceler Rachel Reeves teve que aceitar que a estimativa de crescimento real do PIB, em 2025, é agora metade da taxa prevista anteriormente; eis que foi reduzida pela metade, ou seja, para 1% de 2% pelo analista oficial do governo, o Escritório de responsabilidade orçamentária [Office for Budget Responsibility (OBR)]. Além disso, Reeves teve que admitir que a meta de inflação do governo de 2% ao ano não seria atingida até 2027 – e isso pressupõe que as medidas tarifárias de Trump não aumentem os custos nesse meio tempo.
A economia do Reino Unido, como se pode ver no gráfico acima, permanece estagnada. O PIB real contraiu 0,1% em janeiro de 2025, pior do que as expectativas do mercado de um ganho de 0,1%. A maior contribuição para a redução veio do setor de produção, que caiu 0,9%. O setor de serviços também desacelerou, pois agora está previsto um aumento de apenas 0,1%.
O crescimento real do PIB per capita no Reino Unido na primeira metade desta década deve ser o mais fraco de qualquer período comparável em um século.
Apesar disso, Reeves procurou afirmar que o OBR teria confirmado que a renda real disponível das famílias crescerá “quase o dobro da taxa” prevista no outono. Ela disse que as famílias estarão “em média” £ 500 melhor “sob este governo”. Essa afirmação foi categoricamente negada pelo Joseph Rowntree Trust (JRT); em um novo estudo, calculou que todas as famílias britânicas estarão em pior situação até o final desta década. Ademais, mostrou que com aquelas famílias com renda mais baixa serão duas vezes mais atingidas do que as de renda média e alta. Essa nova previsão indica que a renda média real disponível no Reino Unido cairá por dez anos seguidos.
“Estimamos que a renda média disponível das famílias após a subtração dos custos de moradia (doravante ‘renda disponível’) permanecerá £ 400 por ano abaixo dos níveis de abril de 2020. Em abril de 2030, as famílias estarão ainda piores, ou seja, abaixo em cerca de £ 1.400, em média, do que hoje, uma queda de 3 pontos percentuais. JRF prevê, ademais, que os ganhos brutos reais cairão £ 700 por ano entre 2025 e 2030. Isso se deve ao fato de as empresas irão repassar a maior parte dos custos do recente aumento das contribuições para o seguro nacional por parte do empregador por meio de salários nominais mais baixos, menor número de funcionários e preços mais altos ao consumidor. O arrasto fiscal também continuará a pressionar a receita pós-impostos até 2028, já que os limites do imposto de renda foram congelados até 2028.
As famílias de renda média e alta teriam uma queda na renda disponível real de cerca de 3% entre 2025 e 2030, com os ganhos líquidos reais caindo ao mesmo tempo que os custos de moradia aumentam. Para as famílias de renda mais baixa, a renda está caindo duas vezes mais rápido do que para a média e a alta, com uma queda de 6% na renda disponível real entre 2025 e 2030. Essas famílias de renda mais baixa terão uma piora avaliada em £ 900 até 2030, em comparação com hoje.
Este governo trabalhista seguiu o governo conservador anterior na imposição de austeridade fiscal – mas desta vez com esteroides. Reeves clama que há um “buraco fiscal” entre as receitas e gastos do governo agora equivalente a £ 10 bilhões por ano, que deve ser preenchido. Mas este é um buraco que ela mesma cavou. Pois, o governo prometeu que não haverá mudanças no imposto de renda, incluindo nenhum aumento no imposto sobre lucros corporativos. Ademais, ele se opôs a empréstimos significativos para preencher qualquer lacuna. Também ignorou os pedidos de um imposto sobre a riqueza dos super ricos.
Em vez disso, introduziu uma série de cortes no bem-estar que afetam os mais pobres da Grã-Bretanha, embora as pesquisas mostrem que dois terços do público britânico (64%) apoiam um imposto sobre a riqueza daqueles que têm mais de £ 10 milhões. Um imposto sobre a riqueza de 2% ao ano sobre aqueles que possuem mais de £ 10 milhões arrecadaria £ 24 bilhões por ano, cobrindo facilmente o chamado “buraco fiscal”.
Em vez disso, os cortes não param. Primeiro, houve o limite do benefício infantil para dois filhos por família. Depois, houve a abolição dos pagamentos de combustível de inverno dado aos idosos. E, mais recentemente, o governo anunciou reduções drásticas nos benefícios para deficientes e incapazes de trabalhar. O instituto de pesquisas Resolution Foundation do Reino Unido estimou que isso deixaria até 1,2 milhão de pessoas em pior situação, pois perderão £ 4.300 por ano até 2029, porque não receberiam pagamentos de “vida diária”.
A elegibilidade mais rígida para os recebimentos por independência pessoal e os benefícios por incapacidade significará que algumas pessoas agora na fila para receber £ 15.000 por ano, excluindo o apoio habitacional, receberão apenas £ 5.400 – uma queda de 64%. Ayla Ozmen, diretora de políticas e campanhas da instituição de caridade Z2K, disse que três quartos das pessoas com crédito universal e apoio à deficiência já lutam para pagar o essencial. “Evidências de nossos serviços de aconselhamento mostram que aqueles que perderão incluem pessoas com psicose e amputados duplos”, acrescentou.
Este é um golpe horrendo para os padrões de vida dos mais pobres. No momento, três milhões de famílias do Reino Unido estão £ 3.000 por ano em situação pior do que as famílias mais pobres da Alemanha e £ 1.500 por ano pior do que as famílias com salários mais baixos na França. Eles também são mais pobres do que as pessoas nas partes mais pobres da Eslovênia (onde a renda média disponível é quase £ 900 por ano mais alta), Malta (£ 1.000 a mais) e Irlanda (£ 2.300 a mais). É o que diz um novo relatório sobre os padrões de vida britânicos do NIESR.
Os distritos de Birmingham foram classificados como os mais pobres do Reino Unido, de acordo com o estudo, ficando abaixo das áreas mais pobres da Finlândia, França, Malta e Eslovênia. O Reino Unido agora tem um dos estados de bem-estar social menos generosos entre os países da OCDE. Os pagamentos de bem-estar cobriram o custo dos itens essenciais em apenas dois dos últimos 14 anos – ambos durante a pandemia, após o aumento de £ 20 por semana no crédito universal. E agora Reeves planeja um novo corte no crédito universal. O item ‘saúde’ será reduzido em 50% e depois congelado para novos requerentes. Reeves também planeja cortar os gastos do governo central em até 15% durante a permanência deste parlamento, reduzindo pela metade qualquer aumento real a cada ano, com grandes cortes, mais uma vez, para conselhos locais, prisões e tribunais.
Mas há mais dinheiro a ser gasto em algumas áreas, nomeadamente na defesa. O governo Starmer, com sua estratégia de corrida armamentista acelerada, já anunciou um aumento nos gastos com defesa de 2,3% do PIB para 2,5% até 2027 e para 3% o mais rápido possível. O primeiro aumento foi pago cortando a “ajuda” externa aos países mais pobres do mundo. E o tão anunciado Fundo Nacional de Riqueza para investimento agora poderá fazer investimentos em defesa, ou seja, poderá ser usado pelos fabricantes de armas. Portanto, menos em investimentos produtivos e mais em investimentos destrutivos. A razão pela qual a economia britânica está em estagnada é que o crescimento do investimento produtivo é baixo, menor do que em economias comparáveis.
O governo diz que vai mudar isso, impulsionando o investimento e o crescimento econômico. Mas seu plano para fazê-lo se baseia inteiramente em encorajar o setor capitalista a aumentar os gastos de investimento. Aparentemente, isso será feito “desregulamentando” a economia – na verdade, acabando com os controles ambientais e climáticos, acabando com as restrições aos monopólios e dando mãos livres para o setor financeiro fazer o que quiser. Foi a regulamentação “leve” da City de Londres que foi o mantra do último governo trabalhista sob Blair e Brown. Agora, essa política está sendo redobrada por Starmer e Reeves. De acordo com este último, a City de Londres é a “joia da coroa da economia britânica e a principal geradora de crescimento”, ou seja, não vem a ser um centro de capital fictício esperando que outro acidente aconteça, como em 2008-9.
Através da névoa das falações do governo, o OBR conclui que o investimento empresarial em relação ao PIB, será o mais baixo do G7, em cerca de 10%. Eis que será pouco alterado até o final deste parlamento. Ademais, o investimento do governo será menor no final do mandato do governo trabalhista do que no início.
A política do Partido Trabalhista para impulsionar o crescimento é livrar-se do “planejamento”. Considere-se o setor da habitação. Reeves e o vice-primeiro-ministro Rayner afirmam que a desregulamentação das normas de planejamento local levará a construção de casas a uma alta não vista nos últimos 40 anos (o que na verdade não quer dizer muito). Mas as medidas prometidas realmente abrem as portas para incorporadoras privadas como a BlackRock e para os proprietários de terreno construírem, venderem e alugarem casas em níveis inacessíveis. Ora, as chamadas casas acessíveis não são nada acessíveis. Note-se que os preços das casas subiram para nove vezes os salários médios na Inglaterra e no País de Gales. Logo, pode-se dizer que não há quase nenhuma ‘habitação social’ para os necessitados tal como tem sido prometido.
Reeves diz que precisa fazer esses cortes nos gastos do governo para “preencher” seu buraco fiscal fictício e, assim, controlar o rápido aumento da dívida do governo. É verdade que a dívida pública em relação ao PIB está aumentando mais rapidamente no Reino Unido do que no resto do G7 ou na Europa. Mas isso ocorre porque o crescimento econômico é muito fraco e os custos dos juros da dívida são muito altos como resultado da inflação. O Reino Unido agora gasta mais de £ 100 bilhões por ano em juros da dívida – um pico no pós-guerra. Este é o dinheiro que vem dos cortes no bem-estar e que vai direto para as mãos dos bancos e das instituições financeiras. Assim, o governo trabalhista decidiu manter o setor financeiro feliz com a austeridade fiscal e esperar que o crescimento econômico surja da desregulamentação.
Nesse governo, não deverá haver mais impostos sobre os ricos e sobre o setor corporativo. Não haverá estatização dos setores produtivos da economia; não haverá mais controle do setor financeiro e dos grandes fundos de investimento. Não haverá propriedade pública das concessionárias corruptas de energia e água. O escândalo dessas concessionárias privatizadas está à vista de todos; como se sabe, os acionistas recebem bilhões em dividendos, enquanto os preços da dívida e dos serviços públicos sobem. O colapso total da infraestrutura hídrica atingiu o ponto em que o abastecimento de água, rios e praias do Reino Unido não são mais seguros para beber ou tocar. Enquanto isso, as estradas da Grã-Bretanha estão bem esburacadas e malcuidadas; o preenchimento dos buracos – estima-se – atingem o valor de £ 17 bilhões.
Portanto, é de se prever mais miséria para a maioria das famílias britânicas; eis que, por isso, a primavera não vai chegar; o inverno – é de se prever – terá continuidade neste e nos próximos anos na Grã-Bretanha.



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