
O economista do desenvolvimento, Daron Acemoglu, vê uma influência perniciosa das redes sociais como o Facebook, o Tweeter, o Reddit etc. na formação das pessoas. Ao mediarem as interações, eis que elas parecem criar indivíduos não só alienados, mas desvirtuados culturalmente. Mesmo se o meio influi no conteúdo das informações veiculadas, esse autor, como economista do sistema, é incapaz de enxergar o papel da economia, da concorrência e do individualismo capitalista, no mal uso corrente dessas redes.
O fim das boas interações sociais
Autor: Daron Acemoglu [1]
Publicação original: Project Syndicate, 7/09/22
As plataformas de mídia social não estão apenas criando câmaras de eco e, assim, propagando mentiras e facilitando a circulação de ideias extremistas. Inovações de mídia anteriores, que remontam pelo menos à imprensa, também fizeram isso, mas nenhuma delas abalou os próprios fundamentos da comunicação humana e da interação social.
Não apenas bilhões de pessoas em todo o mundo estão grudadas em seus telefones celulares, mas as informações que consomem mudaram drasticamente – e não para melhor. Nas plataformas de mídia social dominantes, como o Facebook, os pesquisadores documentaram que as falsidades se espalham mais rapidamente e mais amplamente do que conteúdo semelhante baseado em informações corretas. Embora os usuários não exijam desinformação, os algoritmos que determinam o que as pessoas veem tendem a favorecer conteúdo sensacionalista, impreciso e enganoso, porque é isso que gera “engajamento” e, portanto, receita de publicidade.
Como o ativista da internet Eli Pariser observou, já em 2011, que o Facebook criava círculos, dentro dos quais os indivíduos se tornavam mais propensos a receber certos conteúdos, os quais reforçavam suas próprias tendências ideológicas e confirmavam seus próprios preconceitos. Pesquisas mais recentes demonstraram que esse processo tem grande influência no tipo de informação que os usuários recebem.
Mesmo deixando de lado as escolhas algorítmicas do próprio sistema (Facebook, Tweeter etc.), os ecossistemas de mídia social mais amplos permitem que as pessoas se encontrem virtualmente em pequenas comunidades, dentro das quais os interesses estão alinhados. Isto não é necessariamente algo ruim. Se se é a única pessoa na comunidade com interesse em ornitologia, não se precisa mais ficar sozinho, porque agora pode-se estar conectado com entusiastas dessa ciência de todo o mundo. Mas, é claro, isso também se aplica ao extremista solitário que agora pode usar as mesmas plataformas para acessar ou propagar discursos de ódio, assim como teorias conspiratórias.
Ninguém contesta que as plataformas de mídia social têm sido um grande canal para os discursos de ódio, a desinformação e a propaganda. Reddit e YouTube são terrenos férteis para o extremismo de direita. O grupo Oath Keepers usou especialmente o Facebook para organizar a sua participação no ataque, em 6 de janeiro de 2021, ao Capitólio dos Estados Unidos. Os tweets contra os muçulmanos do ex-presidente dos EUA, Donald Trump, alimentaram a violência contra as minorias nos EUA.
É verdade, alguns acham essas observações alarmistas, observando que as grandes plataformas como Facebook e YouTube (que é de propriedade do Google/Alphabet) fazem muito mais para policiar os discursos de ódio e a desinformação do que seus rivais menores, especialmente agora que melhores práticas de moderação foram desenvolvidas. Além disso, outros pesquisadores contestaram a descoberta de que as falsidades se espalham mais rapidamente no Facebook e no Twitter, pelo menos quando comparadas a outras mídias.
Outros ainda argumentam que, mesmo que o atual ambiente de mídia social seja traiçoeiro, o problema é transitório. Afinal, novas ferramentas de comunicação sempre foram mal utilizadas. Martinho Lutero usou a imprensa para promover não apenas o protestantismo, mas também o antissemitismo virulento. O rádio provou ser uma ferramenta poderosa nas mãos de demagogos como o padre Charles Coughlin nos EUA e os nazistas na Alemanha. Tanto os meios de comunicação impressos quanto os de transmissão continuam até hoje cheios de desinformação, mas a sociedade se ajustou a essas mídias e conseguiu conter seus efeitos negativos.
Esse argumento implica que uma combinação de regulamentação mais forte e outras novas tecnologias podem superar os desafios colocados pelas mídias sociais. Por exemplo, as plataformas podem fornecer melhores informações sobre a proveniência dos artigos; ou as mesmas plataformas podem ser desencorajadas a impulsionar algoritmicamente itens que possam ser incendiários ou conter informações erradas.
Mas tais medidas falham em abordar a profundidade do problema. A mídia social não está apenas criando câmaras de eco, propagando falsidades e facilitando a circulação de ideias extremistas. Também pode estar abalando os próprios alicerces da comunicação humana e da coesão social, substituindo redes sociais artificiais por redes sociais reais.
Os humanos se distinguem dos outros animais principalmente por nossa capacidade avançada de aprender com nossa comunidade e de acumular experiência observando os outros. Nossas ideias mais profundas e as nossas noções queridas não vêm da leitura de livros, mas por estarem inseridas em um meio social, por virem de interações por meio de argumentação, educação e assim por diante. Fontes confiáveis desempenham um papel indispensável nesse processo. E é por isso que os líderes agressivos e que palanque podem ter efeitos tão grandes. Inovações de mídia anteriores capitalizaram isso, mas nenhuma delas modificou a própria natureza das redes humanas da maneira que as mídias sociais fizeram.
O que acontece quando plataformas como Facebook, Twitter ou Reddit começam a manipular o que se absorve por meio da rede social da qual se participa? A verdade preocupante é que ninguém sabe. E embora seja possível que haja adaptação eventual a essa mudança, que se encontre maneiras de neutralizar os seus efeitos mais perniciosos, esse não é um resultado com o qual se possa contar, dada a direção que essa indústria está tomando.
Os efeitos mais corrosivos das mídias sociais estão se afigurando exatamente aquilo que o crítico cultural Neil Postman antecipou há quase quatro décadas, em seu livro de referência Amusing Ourselves to Death. “Os americanos não falam mais uns com os outros, eles se divertem sozinhos” – observou criticamente. “Eles não trocam ideias, no máximo trocam imagens. Não discutem por meio de proposições; discutem com base em boa aparência, conhecimento de celebridades e de comerciais.”
Comparando o 1984 de George Orwell com Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley, Postman acrescentou: “o que Orwell mais temia era que os livros fossem banidos. O que Huxley mais temia era que não houvesse motivo para proibir, pois não haveria mais ninguém que quisesse ler um livro. Orwell temia a privação de informações. Huxley temia que dessem tanta informação ruim às pessoas que elas seriam reduzidas à passividade e ao egoísmo. Orwell temia que a verdade ficasse escondida para sempre. Huxley temia que a verdade fosse afogada em um mar de irrelevância.”
Enquanto Postman estava mais preocupado com um futuro huxleyano do que orwelliano, as mídias sociais estão fazendo existir os dois ao mesmo tempo. Enquanto os governos adquirem os meios tanto para manipular percepções da realidade das pessoas quanto para reduzi-las à passividade e ao egoísmo, esses “amigos” virtuais estão cada vez mais policiando nossos pensamentos. A pessoa agora deve sinalizar continuamente a sua virtude e chamar as pessoas que se desviam da ortodoxia predominante. Mas “virtude” é o que o círculo social online artificial diz que é; e, em muitos casos, baseia-se inteiramente em mentiras.
Hannah Arendt, outra pensadora presciente do século XX, alertou sobre onde isso pode levar. “Se todo mundo sempre mente para você, a consequência não é que você acredite nas mentiras, mas sim que ninguém mais acredita em nada.” Nesse ponto, a vida social e política se torna impossível.
[1] Daron Acemoglu, professor de economia do MIT, é co-autor (com James A. Robinson) de Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity, and Poverty (Perfil, 2019) eThe Narrow Corridor: States, Societies, and the Fate of Liberty (Penguin, 2020).
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