Autores: Ozan Mutlu [1] e Lefteris Tsoufidis [2]
Introdução
Este estudo tem como objetivo medir empiricamente as principais variáveis consideradas pela economia política clássica e marxista em países europeus — França, Alemanha e Reino Unido[3] — abrangendo o período 1995-2023. Ao fazê-lo, procura explicar as causas do fraco desempenho do crescimento desde a grande recessão de 2008-2009.
Como essas economias são significativas na economia global, examinar as suas trajetórias é essencial não apenas para entender, em particular, as suas atuais situações econômica, mas também para apreender as suas tendências globais mais amplas. Eis que o resto do mundo, com exceções, experimentou também um crescimento fraco desde 2007. As projeções para os próximos anos, de acordo como o FMI, continuam apontando para tendências de lentidão.
As economias capitalistas exibem uma tendência histórica de crescimento econômico, acumulação de capital e expansão do emprego. Essa trajetória, no entanto, é inerentemente não linear. Eis que está marcada por turbulências recorrentes, manifestadas em flutuações de curto e médio prazo, as quais estão embutidas em ciclos de expansão e contração de longo prazo. Argumentamos que esses movimentos cíclicos são fundamentalmente governados pela dinâmica da lucratividade.
Especificamente, a taxa geral de lucro, definida como a relação entre o mais-valor e o estoque bruto de capital, funciona como um indicador amplo do desempenho geral da acumulação de capital. A taxa de lucro líquida, estimada como a razão entre o valor agregado líquido e o estoque bruto de capital, fornece uma medida mais refinada da lucratividade – note-se que o valor agregado líquido é obtido do bruto subtraindo-se a depreciação, os salários dos trabalhos produtivos e da esfera do comércio, inclusive aqueles imputados ao trabalho autônomo, os impostos e os subsídios eventuais à produção de itens do estoque bruto de capital.
A massa dos lucros líquidos realmente disponíveis para investimento reflete a capacidade do sistema de sustentar a acumulação. A interação dessas variáveis molda a fase do ciclo capitalista. O declínio da lucratividade leva a recessões, já a recuperação ou aumento da lucratividade sustenta as fases de expansão.
A evidência empírica apresentada em nosso estudo apoia a existência de uma tendência de queda de longo prazo das taxas de lucro geral e líquida. E ela é acompanhada por estagnação ou mesmo declínio na massa de lucros líquidos reais. Essa deterioração é atribuída principalmente à crescente capitalização da produção, a qual se reflete numa crescente composição orgânica do capital. Em conjunto, essas tendências sugerem que se está na presença de uma fase recessiva prolongada nas economias capitalistas.
[Distinções]
A pesquisa aqui apresentada difere significativamente de estudos anteriores tanto no escopo quanto na metodologia empírica, pois oferece refinamentos importantes que se acrescentam às descobertas existentes. (…) Ela distingue entre trabalho produtivo[4] (empregado em atividades produtivas) e trabalho improdutivo (engajado em funções de circulação ou manutenção social). (…) Este estudo, ademais, procurou identificar também o trabalho improdutivo empregado nas atividades produtivas [N. T.: as atividades produtivas também podem ser entendidas como industriais no sentido amplo]. (…)
A economia política clássica e marxista postula que valor novo – e, consequentemente, mais-valor – é criado somente pelo trabalho empregado nas atividades produtivas, enquanto o trabalho empregado em atividades improdutivas consome parte desse valor. Em face do conjunto das teorias econômicas, usa-se aqui o termo economia clássico-marxista para se referir tanto a continuidade quanto o afastamento radical de Marx em relação à economia política clássica (principalmente, Smith e Ricardo).
Marx se alinha com a tradição clássica pois adota a perspectiva de longo prazo (…) e utiliza a teoria do valor-trabalho [devidamente modificada] para explicar os preços e a distribuição de renda. No entanto, ele “rompe” com os economistas clássicos ao centrar sua análise na luta de classes e na exploração do trabalho; argumenta, aliás, que os capitalistas extraem mais-valor dos trabalhadores no processo de produção.
Marx também introduz a dimensão histórica na análise econômica, pois vê o capitalismo como um sistema historicamente específico que está destinado a evoluir [e a morrer]; isso contrasta com a visão clássica que vê o capitalismo como uma ordem natural e, por isso, eterna. Em essência, ao mesmo tempo em que se baseia nos fundamentos clássicos, Marx muda o foco da análise para a dinâmica de classe, para a exploração e para a transitoriedade histórica do capitalismo.
[Medidas]
Como foi já destacado, a medida do valor adicionado muda quando em seu computo se distingue entre trabalho produtivo e improdutivo. Nesse contexto, o primeiro passo para derivar as categorias da economia política clássico-marxistas é calcular o valor adicionado total, ou seja, o valor acrescentado pelo trabalho num determinado período (um ano) líquido de depreciação (VAT). Expresso em termos de estatísticas oficiais das contas nacionais, o VAT fica definido como a soma do valor adicionado contabilizado no setor produtivo e do valor adicionado transferido e contabilizado no setor de comércio.
O capital variável (CV) fica definido como o montante dos pagamentos da força de trabalho na esfera produtiva (salários, grosso modo), incluindo-se nele um salário imputado devido aos trabalhadores autônomos. Então, o montante de mais-valor (MV) fica definido como valor adicionado total (VAT) menos o capital variável (CV), ou seja,
MV = VAT – CV
A taxa de exploração ou taxa de mais-valor (TMV) é medida por meio da razão entre os montantes de mais-valor (MV) e de capital variável (CV):
A taxa geral de lucro (TGL) é medida por meio da razão entre o montante de mais-valor e o estoque bruto de capital (EBC) usado nos setores produtivo e improdutivo; foram excluídos os ativos fixos empregados na habitação e pela administração pública e defesa dos estoques estimados pela contabilidade nacional:
A razão entre o estoque bruto de capital (EBC) e o montante de capital variável (CV) define a composição em valor do capital (CVC):
Ademais, a razão do estoque bruto de capital (EBC) e o valor adicionado (VAT) define a composição materializada do capital (CMC).
Note-se que essa abordagem é consistente com o arcabouço teórico desenvolvido por Marx. Em especial, o estoque bruto de capital e o valor agregado estão definidos de forma consistente com o que está posto em O capital.
Usa-se nessas fórmulas o estoque bruto de capital, seguindo a literatura originada com Shaikh e usada também em trabalhos subsequentes. (…) Marx ressalta que a taxa de lucro deve ser medida levando em consideração não apenas a parcela do capital incorporado nas mercadorias, mas o capital total adiantado, incluindo a parcela não consumida – principalmente capital fixo – que permanece ativa na produção.
Finalmente, a razão entre o lucro líquido (LL) obtido nas atividades produtivas e comerciais e o estoque bruto de capital, fornece a taxa líquida de lucro (TLL). Vale lembrar que LL consiste no valor adicionado total (VAT) menos não apenas o capital variável, mas também dos impostos e subsídios eventuais à produção dos itens de capital fixo, tal como se mostrou acima.
Os movimentos da taxa líquida de lucro e da taxa geral de lucro fornece insights sobre a fase atual de acumulação de capital e sobre o potencial existente para uma eventual mudança de fase.
[Resultados empíricos]
[Trabalho improdutivo e taxa de exploração]
A apresentação dos resultados empíricos inicia-se com uma análise da participação do trabalho improdutivo no emprego total, conforme ilustrado na figura em sequência, a qual foi construía com dados do período de 1995 a 2023. À primeira vista, os achados estão de acordo com estudos anteriores; eles confirmam que o tamanho relativo do trabalho improdutivo tende a aumentar ao longo do tempo.
Essa tendência pode ser atribuída à dinâmica inerente ao modo de produção capitalista, que impulsiona aumentos nos gastos não produtivos no processo de crescimento. A concorrência obriga cada capitalista a investir em gestão e promoção de vendas, enquanto os governos são pressionados a expandir seus gastos para manter a coesão social e para acompanhar a concorrência internacional; ademais, muitas vezes, ele precisa aumentar dos gastos militares, entre outros fatores.
Embora esse padrão tenha se mantido, as estimativas sugerem que ocorreu uma desaceleração recente no crescimento tanto da parcela de trabalho improdutivo quanto da parcela salarial a ele destinada. Como mostram a figura anterior e a seguinte, a evolução da participação do trabalho improdutivo e dos salários pagos a eles segue duas fases distintas durante o período em estudo.
A primeira fase, caracterizada pela expansão das atividades improdutivas, termina no começo do milênio. Por exemplo, essa fase (…), na Alemanha e no Reino Unido, terminou em 2007 e 2008, respectivamente. A segunda fase é marcada por uma desaceleração no crescimento da participação do trabalho improdutivo (França) ou mesmo uma reversão (Alemanha).
Essa observação também levanta a questão do que determina o tamanho relativo do trabalho improdutivo e se há um limite para sua expansão. De acordo com a perspectiva clássico-marxista, a expansão das atividades improdutivas depende do nível de produtividade, da taxa de lucro e da massa de mais-valor. (…) Dentro dessa perspectiva de economia política, propõe-se aqui que as novas tecnologias estão afetando cada vez mais o emprego de trabalho nas atividades improdutivas, as quais eram tradicionalmente consideradas intensivas em mão-de-obra e resistentes aos efeitos das transformações tecnológicas.
A figura em sequência mostra as estimativas da taxa de exploração (TMV) de 1995 a 2022 (…). Em todos os países, (…) ela se encontra acima do seu valor inicial no último ano de observação. Esta é uma das descobertas mais intrigantes e robustas do estudo. Um exame mais detalhado revela duas fases distintas na tendência de evolução dessa taxa, que expõe a participação do trabalho improdutivo no emprego total.
A primeira fase abrange os anos que antecederam a crise financeira de 2008-2009. Durante esse período, a taxa de exploração (TMV) apresenta um aumento acentuado, o qual é seguido por um declínio. Este último reflete assim os efeitos adversos do período recessivo de longa duração. Essa tendência sugere que as economias europeias têm lutado para aumentar a produtividade do trabalho desde os anos de grande recessão de 2008-2009, procurando assim – ainda que cegamente – elevar a taxa de mais-valor (TMV).
[O movimento de longo prazo da lucratividade]
As duas medidas de lucratividade aqui empregadas, intimamente relacionadas entre si, indicam diferentes dimensões dos efeitos que têm sobre a acumulação de capital. A primeira é a taxa geral de lucro, estimada como a razão entre o mais-valor total e o estoque bruto de capital. Essa medida se alinha bem com a definição de Marx, particularmente em relação à sua lei da taxa de lucro tendencialmente decrescente (TDTL).
A segunda medida é a taxa líquida de lucro, calculada pela razão entre os lucros líquidos das atividades produtivas e improdutivas e o estoque bruto de capital. Usamos o estoque bruto de capital porque ele, de uma perspectiva clássico-marxista no campo da economia política, reflete melhor a capacidade de produção e, até certo ponto, as condições de lucro das empresas.
A diferença entre a taxa geral e a taxa líquida de lucro advém do consumo de mais-valor nas atividades improdutivas. À medida que esse consumo aumenta, a taxa líquida de lucro diminui mais rapidamente do que a taxa geral de lucro. Ora, isso leva a uma redução no investimento na produção de mercadorias e uma diminuição correspondente na taxa de crescimento da economia, intensificando ainda mais as condições recessivas.
A terceira medida aqui empregada vem a ser a massa de lucros líquidos reais. Para obtê-la de modo aproximado, deflaciona-se o excedente operacional líquido usando o índice de preços do investimento bruto em capital fixo. Esse foco na massa de lucro líquido real enraíza-se no argumento de Marx de que um declínio secular na taxa de lucro resulta na estagnação da massa de lucros líquidos reais, a qual chega eventualmente a um ponto caracterizado por ele como de “superacumulação absoluta”. Nesse ponto, o incentivo para investir se torna mínimo ou inexistente.
A falta de novos investimentos líquidos não só não cria empregos, mas gera um aumento do desemprego e subutilização do estoque de capital existente; partes deste último podem exigir substituição para satisfazer as novas condições de produção e as exigências postas pela competição. Essa combinação de investimento insuficiente e aumento do desemprego é uma característica das crises econômicas e da estagnação prolongada experimentada pelas economias aqui estudadas, desde 2007.
A figura abaixo ilustra o movimento da taxa geral de lucro. (…) Notavelmente, há um claro declínio na taxa geral de lucro na França e na Alemanha. Na Grã-Bretanha, a tendência de queda observada nos anos pós-2007 parece ter se estabilizado durante os anos excepcionais da pandemia e das guerras recentes, durante as quais os governos aumentaram suas demandas por meio de seus gastos e fornecimento de subsídios.
Para identificar os determinantes por trás do movimento de longo prazo da taxa geral de lucro, é essencial analisar seus componentes constituintes – especificamente, a composição em valor do capital (CVC) ou a composição materializada do capital (CMC) e a taxa de mais-valor (TMV). Dada a tendência geral de alta da TMV, os principais determinantes dos movimentos divergentes na taxa geral de lucro provavelmente serão a CVC e a CMC.
A figura em sequência apresenta a composição em valor do capital (CVC) nas três economias europeias. Observa-se que a CVC apresenta uma tendência ascendente em todos os três países (…) a partir do início dos anos 2000. Ora, essa observação é uma das descobertas mais robustas do estudo.
Componentes
A CVC pode ser expressa em termos da CMC e da TMV, da seguinte forma:
O aumento da composição em valor do capital (CVC) pode resultar, portanto, de aumento da taxa de mais-valor (TMV) ou de maior mecanização do processo de produção (refletido em CMC) ou ainda de uma combinação de ambos. Portanto, é necessário analisar o movimento da composição material do capital (CMC), que reflete o efeito da mudança técnica.
A figura em sequência ilustra o movimento do CMC para os três países europeus. Na França e na Alemanha, o CMC no último ano de análise é marcadamente maior do que no ano inicial, indicando uma tendência geral ascendente, ainda que com algumas flutuações. No Reino Unido, o CMC no último ano não difere significativamente do valor do ano inicial, mas a tendência pode ser dividida em duas fases distintas. A primeira fase, de 1995 ao início dos anos 2000, é marcada por um declínio na CMC, seguido por um aumento nos anos subsequentes.
Isto sugere que a CMC exerceu uma pressão para baixo sobre a lucratividade ao longo de todo o período em países como a França e a Alemanha e no período iniciado em 2000 em países como a Grã-Bretanha. (…) O exame pormenorizado das tendências da CMC sugere que a mudança técnica que utiliza mais capital tem sido a forma dominante de mudança técnica durante o período em análise. Essa descoberta concorda com a abordagem clássico-marxista da mudança técnica e com a teoria da tendencia à queda da taxa de lucro no longo prazo.
A figura em sequência apresenta as taxas de lucro líquidas (…). Nos três países selecionados, a taxa de lucro líquida (TLL) mostra uma tendência de declínio ao longo do período investigado, particularmente após 2007, o que sinaliza a presença de prolongada estagnação. (…) Eis que esses resultados ressaltam a profundidade da crise de lucratividade observada nas economias europeias [já que esse resultado vale também para as outras economias consideradas no estudo original].
A tendência declinante da taxa de lucro (TDTL) como causa de crises econômicas é um resultado bem estabelecido na literatura econômica, particularmente na tradição clássico-marxista. Embora a ideia seja mais explicitamente desenvolvida na obra de Marx, os economistas políticos clássicos anteriores, como Smith, Ricardo, e economistas neoclássicos, como Walras, Marshall e Keynes, também tocaram nesse tema, embora de maneiras distintas daquela levada a efeito por Marx.
O mecanismo pelo qual essa tendência, no longo prazo e além de um certo ponto, leva a uma massa estagnada ou em declínio dos lucros líquidos reais – o que, em média, desencoraja novos investimentos – é de fato discutido de várias formas por Smith e Keynes.
No entanto, é na obra de Marx que se encontra o argumento mais sistemático e detalhado que explica a maneira precisa como esse mecanismo opera. Marx relacionou a queda da taxa de lucro ao aumento da composição orgânica do capital (o aumento da proporção de capital constante para capital variável) e às contradições inerentes à produção capitalista, argumentando que essa dinâmica acaba levando a crises de superacumulação e estagnação.
Na abordagem adotada nesse estudo, a queda na taxa de lucro por si só não leva necessariamente à estagnação imediata da atividade econômica. A taxa de lucro pode diminuir em períodos relativamente curtos, mas a massa de lucros líquidos reais ainda pode aumentar. Se isso ocorre, pode haver uma aceleração da acumulação de capital e, assim, um impulso no crescimento econômico. Esse processo de crescimento pode continuar até a obtenção do ponto de inflexão, onde a queda da taxa de lucro de longo prazo eventualmente leva à estagnação na massa de lucros líquidos reais.
Nesse estágio, os retornos de novos investimentos podem cair para zero ou até mesmo se tornarem negativos. Quando isso ocorre, há um colapso na atividade de investimento. Marx descreve essa fase, em que a estagnação do lucro desencadeia uma recessão ou colapso econômico, como o ponto em que se manifesta a “superacumulação absoluta de capital”.
Deve-se notar, entretanto, que a análise fornecida aqui não argumenta que todos os capitais obtêm lucros zero ou mesmo negativos e que, portanto, o desencorajamento do investimento é geral. Alguns capitais podem ter lucros altos mesmo se outros têm perdas, mas o argumento se refere ao que acontece em média na economia. O argumento diz que a lucratividade, em média, atinge um ponto crítico em que a motivação para novos investimentos desaparece [diretamente ou por contágio já que o processo do investimento é sistêmico, mesmo se na aparência depende de decisões dos capitalistas individuais].
Muitos autores argumentam que a relação entre a taxa de lucro e a massa de lucro líquido real gera ciclos longos nas economias capitalistas. Esses ciclos geralmente duram de 45 a 50 anos e consistem em duas fases distintas. Na primeira fase, a economia experimenta taxas de crescimento robustas, dando a impressão de saúde e resiliência, parecendo até mesmo à prova de depressão. A segunda fase, no entanto, é marcada por uma desaceleração na acumulação de capital e períodos prolongados de crescimento lento.
A tendência logística
A figura em sequência rastreia a massa de lucros líquidos reais de 1982 a 2022 para as três economias europeias, medida pelo superávit operacional líquido ajustado pelo deflator de preços para a formação de capital fixo, que reflete o poder de compra do capital. (…) Durante esse longo período, a economia global passou por uma fase ascendente, muitas vezes chamada de “nova economia”, que durou até cerca de 2007. Isso foi seguido por uma fase descendente, denominada “longa recessão”, que começou em 2007 e continuou no momento da redação deste artigo.
Conforme mostrado na figura em sequência, os períodos expansionistas e recessivos coincidiram com o crescimento e a estagnação da massa do lucro líquido real, o que é bem consistente com a estrutura teórica antes discutida. No entanto, a estagnação iniciada em 2007 persistiu em muitos países, sinalizando a natureza contínua do período de recessão.
A última questão a ser abordada é a duração do atual período de recessão. Embora não seja possível fornecer uma previsão precisa, reconhece-se que as dinâmicas que precipitam as crises do sistema capitalista também podem abrir caminhos para a sua própria resolução. Uma série de fatores – alta taxa de desvalorização do capital, expansão do exército de reserva composto por mão de obra desempregada, salários em queda, assim como o surgimento eventual de novos campos de investimento – podem criar condições propícias ao aumento da lucratividade e, ao fazê-lo, podem dar origem a uma nova fase de crescimento.
Como nas crises passadas – e esse parece ser um resultado bem firme –, o percurso seguido pelas economias costuma estar marcado por inovações revolucionárias e por mudanças institucionais. Essas inovações podem afetar o estoque de capital existente, tornando-o menos valioso; ademais, também podem transformar os mercados de trabalho, gerando certo potencial de aumento do desemprego e, assim também, pressão descendente possível sobre os salários reais.
Atualmente, muitas dessas inovações já estão em desenvolvimento, oferecendo a base material para um futuro transformador.[5] Neste contexto, a massa dos lucros líquidos reais parece estar crescendo novamente em alguns países. (…) No entanto, é prematuro afirmar que uma nova fase expansionista começou. Esta continua a ser uma questão em aberto. A partir de agora, a fase descendente que começou nos anos pós-2007 ainda não foi concluída.
Com base em metodologia econométrica (…), testou-se os dados agregados de lucro líquido real (…) para ver se aderem à dinâmica de crescimento logístico, com foco no período pós-1982. Embora os dados da Alemanha unificada estejam disponíveis apenas a partir de 1991, o modelo ainda produz um ajuste robusto, revelando uma tendência persistente de estagnação secular a partir de 2007.
(…) Especificamente, durante a Grande Recessão de 2008-2009, os lucros despencaram drasticamente antes de se recuperarem nos últimos três anos – e este se mostrou como um padrão na maioria dos países estudados. Essas flutuações afetaram um pouco os resultados da estimação econométrica da curva logística. Além disso, a pandemia e a instabilidade geopolítica interromperam também as tendências subjacentes, pois as medidas de estímulo do governo aumentaram temporariamente os lucros.
No entanto, (…) o modelo de crescimento logístico produziu um ajuste satisfatório, apesar da presença dessas intervenções políticas excepcionais e das limitações reconhecidas do superávit operacional líquido como proxy da lucratividade líquida real. (…)
Pode-se argumentar que a estagnação duradoura na Europa – assim como nos Estados Unidos [observada no estudo original como um todo] – tem potencial para desestabilizar os sistemas políticos existentes. Historicamente, esses períodos de estagnação muitas vezes levaram a mudanças nas estruturas políticas e institucionais. No entanto, a direção dessas mudanças permanece incerta.
Se surgir um forte movimento da classe trabalhadora, ele poderá pressionar por reformas institucionais que beneficiem a grande maioria das pessoas. Por outro lado, na ausência de tal pressão, os sistemas políticos podem evoluir de maneiras desfavorável, prejudicando a classe trabalhadora. Ora, isso foi visto no início dos anos 1980, quando o neoliberalismo reformulou o cenário econômico e político em detrimento de muitos e favorecendo os capitalistas. Hoje, o ressurgimento de figuras autoritárias e atores políticos de direita pode ser entendido, pelo menos em parte, como uma resposta à crise econômica em curso.
[1] Pesquisador independente baseado na Turquia.
[2] Professor do Departamento de Economia da Universidade da Macedônia, Grécia.
[3] O estudo original abrange, na verdade, doze países: Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Itália e Holanda, Portugal, Espanha e Reino Unido, além dos Estados Unidos. Para apresentar um resumo mais acessível ao público em geral, reduziu-se o número de países a três: França, Grã-Bretanha e Alemanha.
[4] Por trabalho produtivo entenda-se o trabalho que produz valor e mais-valor, mesmo se produz valor de uso.
[5] N. T.: Nouriel Roubini tem apresentado a tese de que a revolução tecnológica em curso vai gerar um período de grande crescimento econômico principalmente nos Estados Unidos. Dois de seus artigos estão traduzidos e publicados neste blogue; o primeiro está aqui e o segundo está aqui















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