Ben Norton [1] e Michael Hudson [2]
Entrevista
Ben Norton: Michael, obrigado por se juntar a mim. É sempre um verdadeiro prazer ter você como entrevistado.
Vamos falar sobre este artigo que você escreveu, no qual você argumenta que a guerra contra o Irã é parte de uma tentativa dos Estados Unidos de impor sua hegemonia unipolar ao mundo.
Vemos que estamos vivendo cada vez mais em um mundo multipolar. E o Irã, nesse mundo, tem desempenhado um papel importante como membro do BRICS, como membro da Organização de Cooperação de Xangai e como parceiro da China e da Rússia. O Irã também tem procurado contribuir para a desdolarização do sistema financeiro global.
Fale sobre como você vê a guerra contra o Irã – a qual não começou com Donald Trump, pois o seu início remonta há muitos anos atrás. Como você vê essa situação em particular como economista.
Michael Hudson: Bem, a guerra contra o Irã começou em 1953, quando os Estados Unidos e o MI6 derrubaram o primeiro-ministro eleito [Mohammad Mosaddegh]. A razão pela qual ele foi deposto era queria nacionalizar as reservas de petróleo do Irã. Os Estados Unidos sempre viram o Irã como parte do Golfo do Petróleo do Oriente Próximo.
A política externa americana, aquela que funda o seu comércio exterior, sempre se baseou em duas commodities: grãos alimentícios – os EUA tinham capacidade de parar de exportar alimentos para países que se opunham à sua política, tal como ocorreu quando cessaram de exportar grãos para a China sob Mao – e petróleo.
Durante um século, os Estados Unidos se concentraram no controle do petróleo como chave de sua política comercial internacional. Contribui, por um lado, para a sustentação de sua balança comercial; por outro, é fundamental para que possa sancionar o resto do mundo. Ao cortar o fornecimento de petróleo para um país recalcitrante, ele lhe impõe falta de eletricidade, gás, aquecimento doméstico etc. Fica difícil, então, o rompimento com a política dos EUA.
Quando trabalhei para o Instituto Hudson no início dos anos 1970, Herman Kahn me levou a uma reunião com alguns generais. Eles estavam discutindo o que fazer com o Irã ainda sob o governo do Xá. A questão era a seguinte: o que fazer se o Irã tentasse mais uma vez afirmar sua autonomia, procurando seguir o seu próprio caminho.
O Irã sempre foi a potência mais forte em todo o Oriente Próximo e a pedra angular para dominar o Oriente Próximo. Para controlar totalmente o petróleo do Oriente Próximo não basta dominar a Síria, o Iraque e o resto dos países; eis que é preciso comandar também o Irã, por causa do tamanho de sua população e da força de sua economia.
Aquela foi uma reunião muito interessante. Herman Kahn, que era então considerado como o modelo do Dr. Strangelove, discutiu como dividir o Irã em suas várias etnias, cinco ou seis delas, no caso de que isso se tornasse uma necessidade, à medida que passasse a adotar uma política independente dos Estados Unidos.
A preocupação dos Estados Unidos já na década de 1970, ou seja, há 50 anos atrás, era: “O que fazer com os outros países que não se mantêm no interior da ordem mundial internacional que os EUA organizam?”
Herman, referindo-se ao Irã, apontou para uma solução: no caso de uma crise, elo mais fraco dentro desse país seria o Baluchistão, região que fica na fronteira do Irã com o Paquistão. Os balúchis são uma população distinta da iraniana, assim como os azerbaijanos, azeris e curdos.
O Irã é um composto de muitos grupos étnicos, em especial os formados por árabes e persas, mas contém também um grande contingente de judeus. É uma sociedade multiétnica. Por isso, a estratégia dos Estados Unidos, no caso de haver uma guerra contra o Irã, seria jogar com essas etnias. É preciso ver que planos semelhantes foram elaborados para a Rússia; julgou-se em certo momento que seria importante dividi-la em partes étnicas separadas; assim como, também, houve planos para balcanizar a China.
Há uma razão para a adoção dessa estratégia de divisão étnica dos países recalcitrantes. Especialmente na década de 1970, tornou-se muito evidente que os Estados Unidos nunca mais poderiam colocar um exército em campo para invasão, como estava fazendo no Vietnã. Eis que a democracia deixou de permitir que a intervenção militar pudesse prosperar sem entraves.
Na época em que participei desta reunião, no final de 1974, eu acho, ou início de 75, houve manifestações. Era óbvio que nunca mais poderia haver um alistamento militar impositivo para toda a população.
Como os Estados Unidos exerceriam seu poder internacional sem poder se valer da força militar? Tinha bases militares em todo o mundo; gastou e gasta mais em forças armadas do que qualquer outro país. Mas não deixa de ter restrições.
Todo o déficit da balança de pagamentos dos EUA vem do gasto militar no exterior e, no entanto, estava impedido de ir à guerra com as suas próprias forças armadas. Teve de criar alternativas, ou seja, precisou criar proxies.
Neste momento, os Estados Unidos decidiram criar a maior base militar do Oriente Próximo, ou seja, Israel. Forjou-se um acordo segundo o qual o complexo militar-industrial apoiaria Israel, caso ele concordasse em agir como porta-aviões desembarcado da América no Oriente Próximo, tal como foi dito na época.
Herman participou da montagem desse arranjo com muito prazer, porque o Instituto Hudson naquela época era uma organização sionista. Era, ademais, um campo de treinamento para o Mossad.
Um dos meus colegas era Uzi Arad. Fizemos várias viagens juntos à Ásia. E Uzi se tornou conselheiro de Netanyahu e chefe do Mossad nos anos seguintes. Eu participei, portanto, do momento em que a estratégia americana estava sendo delineada.
Israel seria o rosto da América. Ele coordenaria o apoio da América à Al-Qaeda e aos açougueiros wahhabistas que assumiram agora o controle da Síria. Como se sabe, eles estão ocupados nesse momento matando os cristãos, matando os xiitas e os alauítas.
Ora, nunca se verá críticas de Israel à Al-Qaeda ou ao grupo Hayat Tahrir al-Sham (HTS) na Síria. E vice-versa, sempre houve uma relação de trabalho entre essas forças.
Portanto, isso mostra que os Estados Unidos anteciparam o dia em que tentariam finalmente coroar sua invasão do Iraque, seu ataque à Síria, sua destruição da Líbia, seu apoio à destruição do Líbano e de outros países, inclusive no norte da África etc.
O que vimos no último mês – na verdade, nos últimos dois anos – é o culminar da longa estratégia que os Estados Unidos têm desde o fim da Segunda Guerra Mundial. O seu objetivo sempre foi o de assumir o controle total das terras petrolíferas do Oriente Próximo, fazendo com os países dessa região representem localmente os interesses dos Estados Unidos. É preciso que os seus governos sejam clientes, tal como a Arábia Saudita e a Jordânia.
Geopolítica e comércio global
Ben Norton: Você levantou tantos pontos interessantes, Michael. Quero me concentrar em duas questões principais agora: uma delas é a geopolítica da integração do Irã com a Eurásia e a outra é o petróleo e o sistema de petrodólares.
Vou começar com a geopolítica. É claro que, quando falamos sobre o petrodólar, devemos ter em mente que o Irã tem vendido seu petróleo e gás em outras moedas, atuando assim em favor da desdolarização.
Mas antes de chegarmos a isso, quero falar sobre o papel que o Irã desempenhou não apenas no apoio a grupos de resistência na Ásia Ocidental, mas também no aprofundamento de sua parceria política e econômica com a China e a Rússia, como parte de uma parceria eurasiana mais ampla.
Existem inúmeros projetos físicos que se integram a essas regiões como sugere a figura em sequência:
O Irã está no coração da “nova rota da seda” que está sendo criada pela China. Essa ação foi originalmente lançada pelo presidente chinês Xi Jinping, em 2013, mas depois ela se expandiu para se transformar na “Iniciativa do cinturão e da rota” (ICR).
O Irã é uma parte importante nesse projeto já que conecta o Leste Asiático, através da Ásia Central, através do Irã, na Ásia Ocidental. Ora, os EUA realmente tentaram e tentam interrompê-lo.
O Irã também desempenha um papel importante no corredor econômico liderado pela Rússia que parte de São Petersburgo, passa por Moscou e vai descendo pelo Mar Cáspio, pelo Irã e pela Índia, chegando até a Mumbai Eis na figura a seguir, como tem sido chamado, o corredor Internacional de transporte Norte-Sul:
Portanto, é certo que o Irã desempenhou um papel muito importante no desafio do dólar americano. Assim ele desafia a hegemonia dos EUA, mas o faz também porque tem buscado uma integração econômica e política com outros países da Eurásia.
Fale mais sobre isso: por que os planejadores imperiais em Washington veem a atuação do Irã como uma ameaça?
Michael Hudson: Bem, você acabou de resumir os dois mapas que incluí em meu artigo.
Há cerca de um mês atrás, foi concluído o ramo ferroviário da ICR, que vai até Teerã. Pela primeira vez, há um corredor terrestre indo do Irã para a China. E ele permite essa conexão deixe de ser feita por mar.
A política militar americana e britânica baseou-se durante cem anos no controle dos mares. Ora, o controle do comércio de petróleo fazia parte dessa estratégia.
Porque se o Irã, a Arábia Saudita, o Kuwait e os outros países produtores de petróleo não podem carregar navios-tanque com petróleo, como eles poderiam exportar? E como os países importadores como a China ou a Índia poderiam obter petróleo do Oriente Próximo caso ocorresse um bloqueio marítimo?
Bem, intenção do projeto da ICR completo envolveria percorrer todo o caminho, via Irã, e depois prosseguir até o Oceano Atlântico, para a Europa. A ICR deveria abranger todo o continente eurasiano, todo o hemisfério oriental. O mapa em sequência mostra isso:
Ora, se os Estados Unidos pudessem conquistar o Irã, fazendo com que se torne um estado-cliente, isso interferiria no desenvolvimento ferroviário de longa distância que está sendo montado pela China; na verdade, os EUA poderiam bloqueá-lo. Veja-se, ademais, que os Estados Unidos procuram incitar um conflito entre a Índia e o Paquistão, com a mesma finalidade de interromper a evolução da ICR que passa pelo Paquistão [o Corredor Econômico China-Paquistão (CPEC)].
Sopesando tudo isso, vê-se que o Irã é a chave para o transporte terrestre da China para a Europa.
Você acabou de mencionar a Rússia: ora, o Irã poderia representar uma ameaça militar à fronteira sul da Rússia caso os Estados Unidos pudessem transformá-lo num país cliente. Ou, também, se ele pudesse dividir o Irã em grupos étnicos que seriam capazes de interferir no corredor comercial que vem da Rússia para o sul, no acesso ao Oceano Índico. Assim, os EUA conseguiriam encaixotar a Rússia e a China, terminando por isolá-los um dos outro.
Essa é a atual política externa americana. Se você pode isolar países que não querem fazer parte do sistema financeiro e comercial internacional americano, então a crença é que eles não podem existir por si mesmos; eles têm de permanecer pequenos.
A América ainda está vivendo como se o mundo estivesse na época da Conferência de Bandung de 1955, das nações não-alinhadas, ocorrida a Indonésia. Naquela época, já havia muitos países não queriam se desenvolver sozinhos, pois assim eles eram economicamente pequenos demais.
Mas hoje, pela primeira vez na história moderna, há a opção da Eurásia, da Rússia, China, Irã e todos os países vizinhos que ficam entre eles. Pela primeira vez, os recalcitrantes são grandes o suficiente para não precisarem de comércio e do investimento atrelado aos Estados Unidos.
De fato, os Estados Unidos e seus aliados da OTAN na Europa estão encolhendo em termos relativos. Pois, se constituem hoje como economias desindustrializadas, neoliberais e pós-industriais. Note-se que a maior parte do crescimento da produção, da manufatura e do comércio mundial ocorreu na China. E esse país detém agora o controle do refino de matérias-primas, como terras raras, mas também cobalto, até alumínio e muitos outros materiais.
Portanto, a tentativa estratégica dos Estados Unidos de isolar a Rússia, a China e qualquer um de seus aliados no BRICS ou na Organização de Cooperação de Xangai pode produzir o isolamento do próprio Estados Unidos. Mas ele está tentando forçar os outros países a fazer uma escolha.
Isso ficou muito claro imediatamente após Trump assumir a presidência e anunciar sua política tarifária, dizendo: “Em três meses, vou impor tarifas tão devastadoramente altas que vocês, países do Sul Global, países da maioria global, virão as suas economias na beira do caos porque não terão acesso ao mercado americano”.
Mas, [Trump disse]: “Temos três meses para negociar e, se você como país nos der acesso, vou reverter essas tarifas para 10%, para que as suas economias não sejam devastadas. Vocês têm de fazer acordos conosco, têm de concordar com as sanções dos Estados Unidos, tem de se absterem de negociar livremente com a China; vocês não devem investir na China; vocês não podem encontrar alternativas ao dólar americano”.
A China está tentando evitar o uso de dólares. Ora, a Rússia agora não pode mais usar dólares porque os Estados Unidos simplesmente confiscaram US$ 300 bilhões em divisas estrangeiras da Rússia no Ocidente. Esse dinheiro mundial, mantido em Bruxelas, era usado para administrar seu câmbio, para estabilizar sua taxa de câmbio, que é o que os bancos centrais fazem em todo o mundo.
Bem, é preciso lembrar aqui um ponto interessante. O Financial Times publicou um artigo de primeira página [relatando] que agora os países europeus, especialmente Alemanha e Itália, estados que têm a segunda e a terceira maiores reservas de ouro, tem reclamado dos EUA: “Após o fim da Segunda Guerra Mundial, todos os nossos suprimentos de ouro foram deixados no Federal Reserve em Nova York. Vocês poderiam, por favor, [nos devolver nosso ouro de volta]?
O ouro da América está em Fort Knox, mas outros países mantêm suas reservas de ouro no porão do Federal Reserve Bank, em frente ao banco Chase Manhattan, no centro da cidade.
Eis que esses países agora percebem que, sob Trump, pode acontecer o seguinte: “Bem, a Europa tem realmente se aproveitado de nós; eles têm exportado mais para nós do que vendemos para eles” – você sabe, a Itália e a Alemanha estão preocupadas que de alguma forma a América diga: “Bem, vamos pegar todo esse ouro que você acumulou tirando vantagem sobre nós”.
Então, tudo isso está fazendo com que o resto do mundo tente se afastar do dólar. Esse pode ser o efeito do que os Estados Unidos estão fazendo quando sancionam outros países quando eles buscam construir um sistema econômico alternativo ao capitalismo financeiro neoliberal. Alguns tentam o caminho do socialismo industrial – que é realmente aquele caminho que pode ir além o capitalismo industrial, com base no investimento ativo do governo em infraestrutura básica – e não o caminho de privatizar a infraestrutura ao estilo de Margaret Thatcher.
Ora, essa política pode ter um efeito reverso; pode deixar, por um lado, os Estados Unidos isolados, fazendo, por outro, com que todo o resto do mundo venha a seguir o seu próprio caminho. Eles podem se sentir incapazes de negociar com os Estados Unidos por causa das altas tarifas que Trump impôs. Ademais, eles podem sentir medo de negociar em dólares por causa da armação predatória envolvida no padrão dólar.
Petróleo e petrodólar
Ben Norton: Michael, você levantou muitos pontos até agora. Mas eu quero ficar com essa questão do petróleo e do dólar americano e do sistema de petrodólares.
Agora, você mencionou algumas vezes que os EUA realmente dependem das exportações de petróleo e do controle do comércio de petróleo, em parte para tentar reduzir o seu enorme déficit em conta corrente. Mas, como o gráfico em sequência mostra bem, isso não tem acontecido. Os EUA têm enormes déficits em conta corrente – isto é, déficits comerciais com o resto do mundo.
Mas o que é diferente na década de 2020 é que os EUA se tornaram agora o maior exportador mundial de petróleo. É o maior produtor de petróleo da Terra e o maior produtor de gás.
Então essa é uma diferença significativa. Ocorreu em grande parte, na última década, devido à explosão no desenvolvimento da extração de óleo de xisto por meio da revolução do fracionamento (fracking ) ocorrida nos EUA.
Portanto, agora os EUA não precisam mais ter acesso físico a todo o petróleo do Oriente médio. Embora, é claro, as corporações de combustíveis fósseis dos EUA adorariam privatizar todo o petróleo da Ásia Ocidental, que, por enquanto, é estatal.
Como já mencionamos, Mohammad Mosaddegh, no golpe de 1953 apoiado pela CIA, foi derrubado como primeiro-ministro do Irã, depois que ele nacionalizou o petróleo no Irã e expulsou as empresas petrolíferas americanas e britânicas.
Bem, o atual governo iraniano, após a Revolução Iraniana em 1979, também nacionalizou o petróleo. Como se sabe, o Estado iraniano realmente tem muita influência na economia, inclusive por meio de empresas estatais.
Então, é claro que os EUA adorariam privatizar isso. Mas não se trata necessariamente de ter acesso a todo esse petróleo.
Trata-se agora de manter a ordem financeira atual, que se encontra realmente apoiada na economia do petróleo, especialmente depois que Richard Nixon em 1971 separou o dólar do seu vínculo com o ouro.
Então, em 1974, Nixon enviou o seu secretário do Tesouro, William Simon – conhecido como o Bill Simon, da Salomon Brothers – para negociar um acordo com a monarquia saudita, pelo qual os EUA a protegeriam. Ele era um especialista em títulos. Ele dirigia a mesa do Tesouro que negociava as dívidas do governo dos EUA no Salomon Brothers, este grande banco de investimento de Wall Street. Ele foi enviado para Jeddah em 1974, e, em troca, a Arábia Saudita venderia todo o seu petróleo em dólares, mantendo assim a demanda global pelo dólar americano.
Isso ocorreu um ano após o embargo do petróleo da OPEP, no qual os países do Sul Global mostraram que poderiam usar seu controle do petróleo como uma ferramenta geopolítica para punir os EUA e o Ocidente por seu apoio a Israel.
Veja-se, pois, que toda essa história ainda é tão relevante hoje.
Agora, o Irã está desafiando diretamente esse sistema fundado em petrodólares. O Irã está vendendo seu petróleo para a China em yuan chinês, o renminbi.
O Irã também está negociando com a Índia, vendendo seu petróleo e usando sua moeda, o rial. A Índia também está usando sua moeda, a rúpia, e a Índia está essencialmente trocando seus produtos agrícolas por petróleo iraniano.
Então, pergunto: você pode falar mais sobre esse sistema fundado em petrodólares. Por que o Irã é visto como um grande desafio para a manutenção incólume desse sistema? E realmente o que isso significa é um desafio direto ao domínio global do próprio dólar americano.
Michael Hudson: Bem, eu mencionei que o impulso original dos Estados Unidos era controlar o petróleo do Oriente Próximo.
Eu era o economista da balança de pagamentos do Chase Manhattan Bank e fiz um estudo completo em nome da indústria petrolífera dos EUA. O objetivo era calcular os retornos dos investimentos e o efeito na balança de pagamentos. O montante de dólares investidos na Arábia Saudita, Kuwait, outros países árabes, foi recuperado em apenas 18 meses.
O petróleo era o investimento mais lucrativo em toda a economia dos EUA e era isento de impostos.
Bem, você mencionou [o secretário do Tesouro de Nixon] Bill Simon. Herman Kahn e eu encontramos com Bill Simon, em 1974, para discutir qual deveria ser a estratégia dos Estados Unidos com as empresas de petróleo.
Simon disse: “Explicamos a eles que eles podem cobrar o que quiserem pelo petróleo. Eles podem quadruplicar os preços”.
Na verdade, isso deixou a Standard Oil de Nova Jersey, a Socony [mais tarde Mobil] e as outras empresas petrolíferas americanas muito felizes, porque, como você apontou, a própria América era uma grande produtora de petróleo.
Quando os países da OPEP quadruplicaram o preço do petróleo, isso tornou as empresas petrolíferas americanas imensamente lucrativas.
Mas o acordo era que eles tinham que manter tudo o ganhassem com o petróleo – não vou chamar de lucro, porque é realmente uma renda de recursos naturais – como investimento na economia dos Estados Unidos.
O acordo era que a Arábia Saudita e outros países exportariam seu petróleo por dólares; eles, então, aplicariam esses dólares nos Estados Unidos. Eles teriam de investir principalmente em títulos do Tesouro dos EUA, mas poderiam também comprar ações e títulos dos EUA.Os países da OPEP, no entanto, não podiam comprar o controle de nenhuma grande empresa americana.
Eles podiam comprar ações e títulos, mas tinham que distribuir o investimento no mercado de ações pelo mercado como um todo. Então eu acho que o rei da Arábia Saudita comprou um bilhão de dólares de cada ação do Dow Jones Industrial Average. Mas a maior parte de seu dinheiro foi mantida em segurança em títulos do Tesouro dos EUA.
Então, essencialmente, a receita da OPEP – não direi lucros porque, novamente, não foi realmente lucro; é uma receita não auferida – com as vendas de petróleo acabou ficando nos Estados Unidos. A maior parte, aliás, foi emprestada ao governo dos Estados Unidos.
Bem, esse influxo de dólares é o que permitiu aos Estados Unidos fazer duas coisas. Primeiro, como um influxo de balanço de pagamentos, permitiu que os Estados Unidos continuassem gastando seus gastos militares no exterior, a fim de ter o punho militar por trás de seu império econômico. Mas também financiou o déficit orçamentário doméstico. Os bancos centrais estrangeiros estavam financiando em grande parte o déficit orçamentário doméstico dos Estados Unidos, mantendo títulos do Tesouro americano.
Assim, os países da OPEP tornaram-se essencialmente partes cativas do sistema financeiro americano que eu descrevi em meu livro Super Imperialismo.
Então eu me encontrei com o pessoal do Tesouro do Tesouro, basicamente para explicar o que eu havia escrito nesse livro sobre como acabar com a prática de outros países de manter suas reservas monetárias internacionais em ouro. O objetivo era que as mantivessem na forma de empréstimos ao Tesouro dos EUA, ou seja, comprando títulos do Tesouro como forma de manter reservas internacionais. Desse modo, a poupança do mundo inteiro, a poupança na forma de dinheiro, ficou essencialmente centralizada em Washington e Nova York. Aquilo que começou como controle do comércio de petróleo tornou-se o controle do sistema financeiro internacional. Então você tinha essa simbiose entre o sistema de comércio e o sistema financeiro como base para a política militar americana, e o que chamei de superimperialismo.
Super imperialismo
Ben Norton: O que você descreveu há mais de 50 anos, de forma tão brilhante, como o sistema do superimperialismo, está sendo desafiado nos dias de hoje pelo Irã e pelos outros países do BRICS. Eles estão desafiando o privilégio exorbitante do dólar americano e tentando buscar alternativas.
Então, talvez você possa falar mais sobre esse movimento global de desdolarização e como o Irã desempenha um papel central nisso. E essa é uma das razões, é claro, porque ele é um alvo dos EUA.
Michael Hudson: Bem, o Irã realmente não era central nesse arranjo porque os Estados Unidos conseguiram isolar o Irã.
Assim que o xá foi derrubado, os Estados Unidos deram um golpe sujo no Irã – e isso foi feito pelo Chase Manhattan Bank. O Irã, como todo país, tinha uma dívida externa – criada por emissão de títulos em dólares. No momento certo, ele enviou os dólares para o Chase Manhattan Bank, para pagar os dividendos para os detentores de seus títulos.
Contudo, o Tesouro foi até David Rockefeller e lhe disse: “Não envie esse dinheiro iraniano agora. Apenas o segure em seu caixa”. E assim o Irã foi considerado inadimplente. Assim, que toda a dívida externa venceu, os Estados Unidos apreenderam, confiscaram recursos econômicos e financeiros iranianos nos Estados Unidos.
Mais tarde, eles negociaram para devolvê-lo, porque tudo isso era ilegal sob o direito internacional. Mas esse direito nunca foi um empecilho para os Estados Unidos, como estamos vendo agora.
Depois que o xá foi derrubado, os Estados Unidos tentaram desestabilizar o novo governo iraniano. Se as suas reservas estrangeiras forem tomadas, o país paralisará e o caos se instalará na economia iraniana. Ora, é assim que os EUA administram o mundo, causando o caos”.
Há uma única coisa que a América tem a oferecer a outros países no mundo de hoje. Não pode lhes oferecer exportações. Não pode lhes oferecer estabilidade monetária. Logo, a única coisa que os Estados Unidos têm a oferecer ao mundo é abster-se de destruir suas economias e de causar caos econômico. Contudo, é o contrário disso que Trump está tentando fazer com as suas tarifas. É o contrário o que ele ameaçou fazer a qualquer país que tente criar uma alternativa ao dólar.
Os Estados Unidos basicamente declararam guerra contra qualquer tentativa de criar um sistema internacional de comércio e investimento que os Estados Unidos não controlam, que afete o seu próprio interesse. Querem todos os benefícios, todo o ganho possível e não apenas parte dele. É um império ganancioso.
Sanções e guerra econômica
Bem Norton: O que você está querendo dizer, Michael, é um ponto tão importante: isso mostra, essencialmente, que essas táticas foram abusivamente empregadas pelos EUA. Hoje, um terço de todos os países da Terra estão sob sanções dos EUA. E elas são unilaterais; elas são ilegais sob o direito internacional.
Mas é claro que o Irã foi um dos primeiros países a ser sancionado, após sua revolução em 1979. Sabemos também que, em 2022, os EUA e a UE apreenderam US$ 300 bilhões em ativos russos, dando assim um grande alerta para o mundo.
Portanto, o Irã sempre foi o primeiro país a ser alvo dessas táticas agressivas, e agora elas se tornaram tão comuns que vimos uma espécie de rebelião global contra esse sistema, mesmo por aliados de longa data dos EUA.
Como, por exemplo, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, que historicamente têm sido estados clientes dos EUA, mas eles veem o que aconteceu com a Rússia, o Irã e a Venezuela, e estão preocupados com a possibilidade de serem os próximos.
Michael Hudson: Bem, isso é exatamente o que está moldando a política árabe e saudita na região.
Obviamente, os árabes não gostam do que Israel está fazendo em Gaza. Mas eles têm medo de agir em nome do Irã. As populações desses países são contra a violência que Israel emprega contra os estados árabes. Mas os líderes desses países têm um problema: todas as economias que a Arábia Saudita acumulou nos últimos 50 anos são mantidas como reféns no Tesouro dos EUA e nos bancos dos EUA.
Por isso não se ouviu um pio da Arábia Saudita e de seus países vizinhos produtores de petróleo, porque eles estão com medo. Eles percebem que estão em uma posição muito delicada.
Todo esse dinheiro do fundo soberano desses países, fundo que eles construíram para financiar o desenvolvimento futuro de suas economias, é mantido como refém. Assim, por causa dessa exposição ao dólar americano, eles se tornaram politicamente neutralizados.
Bem, você pode imaginar que os outros países do mundo percebem bem o que está acontecendo. Os países asiáticos, os países do Sul Global e até mesmo os países europeus como a Alemanha e a Itália, dizem para si mesmos: “Não podemos ficar presos na mesma armadilha que aprisionou os países árabes; as nossas economias, os títulos do Tesouro e ações e títulos das empresas norte-americanas que compramos não podem ser mantidos como reféns. Apesar disso, o nosso ouro e os nossos dólares estão lá! “
Ora, o mundo inteiro está agora se movendo em direção ao ouro. Os países têm medo de segurar dólares. As participações em dólares dos bancos centrais estrangeiros estão estáveis, enquanto as participações em ouro estão subindo.
Note-se que muitas posições oficiais estrangeiras em ouro são mantidas fora dos livros. O governo pode manter ações de empresas que detêm ouro. Assim se esconde as reservas e elas deixam de ser visíveis, evitando que sejam postas em dólares.
Há uma espécie de dança Kabuki acontecendo nas estatísticas financeiras, bem como no lançamento de bombas nos países.
[1]Benjamin Norton é jornalista e analista. Seu trabalho lida com geopolítica, economia política internacional e política externa dos EUA. Ele mora na América Latina e fala inglês e espanhol.
[2] Economista norte-americano, professor de economia na Universidade do Missouri do Kansas e pesquisador do Levy Economics Institute do Bard College. Ele tem um novo livro, The Destiny of Civilization, que será publicado pela CounterPunch Books no próximo mês.













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