Autores: Ben Norton [1] e e Michael Hudson [2]
Por que os Estados Unidos estão tão preocupados com o Irã?
O presidente dos EUA, Donald Trump, admitiu que Washington quer uma mudança de regime em Teerã, que deseja derrubar o governo iraniano. Trump apoiou uma guerra contra o Irã em junho, na qual os EUA e Israel bombardearam diretamente o território iraniano.
Trump afirmou que negociou um cessar-fogo após 12 dias. Aliás, ele chama de Guerra dos 12 Dias a que os EUA e Israel travaram contra o Irã. Mas é muito difícil acreditar que esse cessar-fogo seja mantido.
Trump também havia dito algo bem semelhante em janeiro 2025. Ele alegou então que iria intermediar um cessar-fogo em Gaza. Contudo, em março, dois meses depois, Israel recomeçou a guerra. Sabe-se que Trump deu luz verde a Israel para violar o cessar-fogo que ele ajudou a mediar.
Portanto, é muito difícil para as autoridades iranianas acreditarem que o cessar-fogo realmente seja mantido num futuro próximo. E mesmo que ele se mantenha no curto prazo, a realidade é que o governo dos EUA vem travando uma espécie de guerra política e uma guerra econômica contra o Irã há muitas décadas. Já em 1953, EUA patrocinaram um golpe que derrubou o primeiro-ministro democraticamente eleito do Irã, Mohammad Mossadegh. Em seu lugar foi instalado um ditador pró-EUA: Xá Mohammad Reza Pahlavi.
Então, é preciso perguntar por que tudo isso aconteceu? O que Washington quer obter de sua interminável guerra política e econômica contra o Irã?
Para tentar responder a essa pergunta, entrevistei o renomado economista Michael Hudson, que escreveu muitos livros e é especialista em economia política global.
Michael Hudson publicou um artigo (aqui traduzido) no qual descreveu as razões econômicas e políticas para essa guerra contra o Irã. Aí, ele mostrou que ela faz parte das tentativas do império dos EUA de impor uma ordem unipolar ao mundo. Veja que essa ordem existiu desde a década de 1990, quando os EUA se tornaram a única superpotência que podia impor sua vontade política e econômica a quase todos os países da Terra.
O Irã era um dos poucos países que realmente tem resistido à hegemonia unipolar dos EUA. E hoje, à medida que o mundo é cada vez mais multipolar, vê-se que o Irã desempenha um papel importante como membro do BRICS, como apoiador deste grupo de resistência.
O Irã está pressionando por um mundo mais multipolar em oposição à unipolaridade do império dos EUA, como o economista Michael Hudson descreve neste ensaio.
O que está em jogo é a tentativa dos EUA de controlar o Oriente Médio e seu petróleo como um suporte do poder econômico dos EUA. Assim, ele pode impedir que outros países se movam para criar sua própria autonomia da ordem neoliberal centrada nos EUA administrada pelo FMI, Banco Mundial e outras instituições para reforçar o poder unipolar dos EUA.
Em nossa discussão, Michael conecta todos os diferentes fatores envolvidos neste conflito. E eles incluem o petróleo e o gás, assim como outros recursos existentes na Ásia Ocidental e no chamado Oriente Médio. Nesses fatores é preciso incluir também o papel do dólar americano no sistema de petrodólares. Como o Irã se tornou um membro do BRICS, ele se juntou a outros países do Sul Global na busca da desdolarização do comércio internacional.
Nessa discussão, também se falou sobre a geopolítica da região, as rotas comerciais e a interconectividade entre China, Irã e Rússia, como parte de um projeto de integração eurasiana. Falou-se, também, sobre os objetivos geopolíticos dos EUA e Israel.
Aqui está um trecho da nossa conversa: (a entrevista como um todo será publicada em sequência neste blogue). A fala em sequência é de Michael Hudson:
O que vimos no último mês – ou devo dizer nos últimos dois anos, na verdade – é o culminar da longa estratégia que os Estados Unidos têm desde a Segunda Guerra Mundial. E ela visa assumir o controle total das terras petrolíferas do Oriente Próximo instalando aí governantes clientes, tal como a Arábia Saudita e o rei da Jordânia.
O mapa posto na abertura dessa nota mostra a configuração da região como um todo. Em vermelho, vê-se os países que os EUA não controlam.
O Irã representa uma ameaça militar à fronteira sul da Rússia. Veja-se, se os Estados Unidos puderem colocar um regime cliente no Irã, ou se puderem3 dividir o Irã em grupos étnicos, então ele teria encaixotado a Rússia e isolado a China. Pois, seriam capazes de interferir no corredor comercial da Rússia para o sul, no acesso ao Oceano Índico.
Essa é em grandes traços a atual política externa americana. Ele busca isolar os países que não querem fazer parte do sistema financeiro e comercial internacional dominado pelos EUA; eis que subsiste uma crença de que eles não podem existir por si mesmos já que, nesse caso, eles se mostram muito pequenos para abalar o império nucleado na América do Norte.
A América ainda parece estar vivendo a época da Conferência de Bandung, das nações não-alinhadas, ocorrida na Indonésia em 1988. Pois, nesse momento, um grupo de países tentou se juntar para encetar uma trajetória de desenvolvimento, pois, sozinhos, eles eram economicamente pequenos demais.
Mas hoje, pela primeira vez na história moderna, há a opção da Eurásia, da Rússia, China, Irã e todos os países vizinhos situados nessa região. Pela primeira vez, eles são grandes o suficiente para não precisarem de comércio e investimento com os Estados Unidos.
De fato, enquanto os Estados Unidos e seus aliados da OTAN na Europa estão encolhendo – são economias desindustrializadas, neoliberais e pós-industriais – a maior parte do crescimento da produção, manufatura e comércio mundial ocorreu na China, juntamente com o controle do refino de matérias-primas, como terras raras, mas também cobalto, até alumínio e muitos outros materiais na China.
Assim, a tentativa estratégica dos EUA de isolar a Rússia, a China e qualquer um de seus aliados no BRICS ou na Organização de Cooperação de Xangai tem um destino difícil já que pode não prosperar. De qualquer modo, os EUA estão tentando forçar outros países a fazer escolhas que os favoreçam.
Essa é a única coisa que a América tem a oferecer a outros países no mundo de hoje. Não pode oferecer-lhes exportações. Não pode oferecer-lhes estabilidade monetária.
A única coisa que os Estados Unidos têm a oferecer ao mundo é abster-se de destruir suas economias 3e causar caos econômico, como Trump ameaçou fazer com suas tarifas. É preciso lembrar aqui que ele ameaçou fazer a qualquer país que tente criar uma alternativa ao dólar.
O dólar fornece um “almoço grátis” para os EUA. Ao venderem mercadorias para ele, os outros países podem ganhar dólares, mas têm que reemprestá-los aos Estados Unidos. E os Estados Unidos, na posição de banqueiro mundial, têm que manter a ordem financeira internacional. Contudo, como banqueiro, ele pode simplesmente decidir quem pode usar o sistema que ele administra.
Os EUA estão se comportando como um Estado-gângster. Pode ser assim chamado por várias razões: eis que opera criando constrangimentos econômicos, políticos e militares para as outras nações. Ora, os outros países têm medo do que os Estados Unidos podem fazer e não apenas sob Donald Trump. E isso tem se mostrado verdadeiro nos últimos 50 anos. Trata-se simplesmente de confiscar, desestabilizar e derrubar.
Os Estados Unidos basicamente declararam guerra contra qualquer tentativa de criar um sistema internacional de comércio e investimento alternativo, ou seja, que os Estados Unidos não controlam e que viesse a operar com independência, ou seja, com base em interesses estranhos ao seu próprio como potência hegemônica.
[1] Benjamin Norton é jornalista e analista. O seu trabalho lida com geopolítica, economia política internacional e política externa dos EUA. Ele mora na América Latina e fala inglês e espanhol.
[2] Economista norte-americano, professor de economia na Universidade do Missouri do Kansas e pesquisador do Levy Economics Institute do Bard College. Ele tem um novo livro, The Destiny of Civilization, que será publicado pela CounterPunch Books no próximo mês.


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