A discórdia se espalhou pelo mundo

Autor: Jomo Kwame Sundaram [1]

O presidente dos EUA, Donald Trump, deliberadamente semeou discórdia em todo o mundo na tentativa de refazê-lo para servir melhor aos supostos interesses americanos. Ele não cederá influência, muito menos poder e controle, a outras nações, muito menos a pessoas.

Acordo de Mar-a-Lago

O seu principal conselheiro econômico, Stephen Miran, ofereceu alguma justificativa para as tarifas de Trump, além de promover o seu plano “Acordo de Mar-a-Lago” para o renascimento imperial dos EUA. Mas mesmo que a maioria dos governos aceite participar, o dilema dos déficits dos EUA não será resolvido.

Para Miran, Trump está remodelando o mundo unipolar liderado pelos EUA de forma mais equitativa, fazendo com que outros arquem com uma parte maior dos custos dos “bens públicos globais” que os EUA fornecem ostensivamente.

Como observou o economista geopolítico Ben Norton, os EUA gastam trilhões em seu império global, com cerca de 800 bases militares no exterior! Embora os interesses corporativos influentes dos EUA tenham se beneficiado dessa situação, outros – segundo ele – também ganharam.

Os EUA contribuíram para o boom de reconstrução do Norte Global após a Segunda Guerra Mundial. Contrariou a crescente influência soviética a partir do último ano da 2ª Guerra Mundial, ampliando a sua hegemonia e fortalecendo os seus aliados durante a primeira Guerra Fria.

No entanto, Miran reclama agora que está muito “caro” manter a ordem unipolar pós-Guerra Fria sem que outros arquem com sua “parte justa” dos custos dos EUA de fornecer um “guarda-chuva de segurança global” e liquidez internacional em dólares.

O acordo do Plaza de1985

Na década de 1980, muitos reclamaram do fato de que o Japão e a Alemanha, que haviam perdido a 2ª Guerra Mundial, terem se beneficiado das restrições impostas aos gastos militares e da ocupação dos EUA para ganhar a liderança industrial em todo o mundo.

Em sua segunda reunião no Plaza Hotel de Nova York, o Grupo dos Cinco (G5), liderado pelos EUA, das maiores economias ocidentais, concordou que o iene e o marco alemão deveriam se valorizar muito em relação ao dólar americano.

Isso garantiria a recuperação dos EUA de sua forte desaceleração após o fortalecimento do dólar devido à política de altas taxas de juros do Fed para conter a inflação após o segundo aumento do preço do petróleo.

À medida que o iene se valorizava, as reformas financeiras do Japão em 1989 selaram seu destino. A bolha de preços de ativos estourou, encerrando também o boom milagroso japonês do pós-guerra.

Miran reconhece que a “supervalorização do dólar americano pesou muito sobre o setor manufatureiro americano, beneficiando os setores financeirizados da economia e, assim, os americanos mais ricos”.

Do Acordo de Plaza ao de Mar-a-Lago

Ao contrário do Acordo do Plaza, o Acordo de Mar-a-Lago proposto por Miran, assim nomeado em homenagem ao retiro privado de Trump na Flórida, será imposto a todos, especialmente aliados no Norte Global.

O Norte Global deve melhorar a balança comercial dos EUA, dissuadindo as importações e aumentando as exportações, deixando o dólar se depreciar. Para obter esse acordo, os aliados foram ameaçados com tarifas e com a retirada unilateral do guarda-chuva de segurança dos EUA.

A proposta de Miran também prevê que os governos estrangeiros comprarão os títulos do Tesouro dos EUA de 100 anos. Assim, as perdas de longo prazo devido à inflação serão transferidas para os detentores de títulos no exterior.

Ele também quer um fundo soberano dos EUA financiado pela reavaliação das reservas de ouro dos EUA aos preços de mercado. Enquanto isso, seu fundo de estabilização de criptomoedas proposto já ameaça perturbar as finanças internacionais.

O seu plano, segundo afirma, vai reduzir os déficits comerciais dos EUA e trazer de volta bons empregos. Miran espera que isso reduza significativamente a conta corrente e os déficits fiscais dos EUA sem exigir mais receita tributária ou cortes de gastos. Contudo, um dólar mais fraco não é suficiente

Jenny Gordon desafiou o argumento de Miran. Ela argumenta que seu plano é irrealizável sem que haja significativa transferências dos recursos dos EUA de não negociáveis para negociáveis.

Os investimentos em manufatura necessários para substituir as importações e aumentar as exportações precisam ser financiados. Mas os EUA têm sido um tomador de empréstimos líquidos por quase meio século!

O seu déficit em conta corrente reflete esses desequilíbrios entre poupança e investimento. Os EUA teriam que cortar seu superávit em conta de capital tomando muito menos empréstimos de outros para reduzir seu déficit em conta corrente.

Tornar a manufatura mais competitiva requer um dólar mais fraco e novos investimentos. Os EUA devem encorajar os americanos a economizarem mais, consumir menos, desviar investimentos de outros lugares e reduzir seu déficit fiscal.

Caso contrário, os empréstimos estrangeiros que financiam investimentos em manufatura fortalecerão o dólar americano. Pior, um dólar mais fraco é necessário para aumentar a competitividade dos EUA.

Miran quer prevalecer

Mesmo que a manufatura dos EUA se recupere, os empregos bem remunerados em áreas deprimidas provavelmente não surgirão. Além do envelhecimento, a mudança de tecnologia, consumo e renda afetaram negativamente as perspectivas de reviver a manufatura dos EUA.

Os cortes de gastos do governo prejudicaram a pesquisa patrocinada pelo Estado. Ora, se sabe que ela permitiu aos EUA liderar a inovação tecnológica em todo o mundo até o início deste século.

A conversão forçada proposta de Miran de títulos do Tesouro dos EUA mantidos em reservas oficiais em “títulos do século” reduzirá a confiança no dólar e seu valor de liquidez.

Além de reduzir os custos de empréstimos dos EUA, isso prejudicaria o profundo mercado secundário de títulos do Tesouro dos EUA e fluxos comerciais e financeiros denominados em dólares – todos essenciais para o privilégio do dólar.

O status do dólar como moeda de reserva permitiu que os EUA mantivessem déficits fiscais maciços sem altas taxas de juros ou a ameaça de colapso da moeda. Mas também restringiu as opções econômicas dos EUA, favorecendo as finanças e alguns serviços modernos.

Trump não quer perder o status do dólar como moeda de reserva. A sua ameaça aos BRICS sugere que pode ser implementada uma dura retaliação contra os esforços para reduzir a dependência do dólar americano.

O status do dólar nas finanças internacionais também permite que os EUA ameacem com certa credibilidade os outros países do mundo. No entanto, o tratamento de Trump aos aliados nos lembra que a busca de conformidade não garante estabilidade.

Miran presume que os países parceiros de comércio e investimento farão o que os EUA desejam. Embora poucos possam concordar com sua proposta, que não funcionará, muitos talvez não queiram enfrentar Trump. Contudo, alguns já estão falando abertamente contra a proposta.

Publicado em Ideia/ Inter Press Service (IPS) News – 6 de maio de 2025


[1] Economista malaio. Ele é consultor sênior do Instituto de Pesquisa Khazanah, pesquisador visitante da Iniciativa para o Diálogo Político da Universidade de Columbia e professor adjunto da Universidade Islâmica Internacional da Malásia.