As tarifas ajudarão a reequilibrar a economia global (e a economia chinesa)?
Noah Smith – Blogue Noahpinion – 16 de janeiro de 2025. Eis aqui o segundo artigo que examina a política econômica que se vale fundamentalmente de tarifas.
Este post (…) versa sobre a economia da China e a situação do comércio internacional, em vez de tratar de guerra e conflito.
A China tem um enorme e crescente superávit comercial, como se pode ver no gráfico acima. Esse gráfico é de Brad Setser, um autor conhecido por ser um exército de um homem só em termos de rastreamento do comércio global e dos fluxos financeiros. (…) Curiosamente, é preciso ver que as exportações da China para o mundo em desenvolvimento são mais importantes do que suas exportações para os EUA e a UE, embora estas últimas tenham aumentado um pouco.
Trata-se do segundo choque produzido pela China. Superávits comerciais como esse não podem ser explicados pela boa e velha teoria da vantagem comparativa – o superávit comercial chinês vem do fato de que os países estão emitindo IOUs (I owe you, ou seja, eu devo para você) para a China em troca de bens físicos. Os países realmente não têm uma vantagem comparativa na emissão de notas promissórias.
Porque os superávits e déficits comerciais acontecem vem a ser uma questão importante, interessante e complexa; contudo, minha impressão geral ao ler um monte de artigos de economia sobre o assunto é “ninguém realmente sabe” Provavelmente tem algo a ver com o fato de que o governo da China está orientando seus bancos a emprestarem grandes quantias aos fabricantes; ademais, ele está pagando aos fabricantes toneladas de subsídios. Mas também deve haver algum tipo de fator financeiro envolvido que impeça a moeda da China de se valorizar e permitir que o povo chinês compre mais importações. Isso pode ser algo que o governo chinês está fazendo intencionalmente ou pode ser uma consequência natural das dificuldades econômicas da China.
A questão consiste em saber o que fazer com a vasta enxurrada de exportações chinesas. Esmagadoramente, entre todas as propostas, houve uma delas que se tornou a política principal para o mundo para além da China: pôr tarifas sobre produtos chineses. O pessoal do MAGA, obviamente, endossa isso – as tarifas figuram então como uma grande ideia política.
Além disso, alguns comentaristas sugerem que a China deveria mudar seu modelo econômico para promover o consumo doméstico em vez de aumentar ainda mais o produto de sua manufatura. Muitas das pessoas que sugerem isso são macroeconomistas que trabalham para bancos, ou seja, analistas do setor privado. Contudo, notavelmente, Paul Krugman disse coisas semelhantes. Muitos comentaristas que não endossam explicitamente as tarifas, no entanto, dirão que, se a China não passar a consumir mais do que produz, o resto do mundo inevitavelmente colocará tarifas sobre os produtos chineses.
A ideia de que “outros países devem impor tarifas à China” e a ideia de que “a China deve mudar sua economia para o consumo doméstico” estão juntas na visão de mundo de Michael Pettis; eis que ele defende as duas coisas. Ele vem dizendo que a China precisa aumentar a participação do consumo em sua economia doméstica há mais de uma década. Ademais, parece que, mais do que ninguém, ele é responsável por introduzir essa ideia no discurso econômico que versa sobre a China. E em um artigo na Foreign Affairs em dezembro, Pettis apresentou a sua defesa das tarifas:
Hoje, [ao contrário da década de 1930], os americanos consomem uma parcela maior do que produzem e, portanto, devem importar a diferença do exterior. Nesse caso, as tarifas (devidamente implementadas) teriam o efeito oposto das tarifas Smoot-Hawley [implementadas na década de 1930]. Ao tributar o consumo para subsidiar a produção, as tarifas atuais redirecionariam uma parte da demanda dos EUA para aumentar a quantidade total de bens e serviços produzidos domesticamente. Isso levaria o PIB dos EUA a subir, resultando em mais empregos, salários mais altos e menos dívidas. As famílias americanas seriam capazes de consumir mais, mesmo com o consumo como proporção do PIB diminuindo…
Graças à sua conta comercial relativamente aberta, a economia americana absorve mais ou menos automaticamente o excesso de produção de parceiros comerciais que implementaram políticas que visam empobrecer meu vizinho. Ela funciona como o consumidor global de último recurso.
O objetivo dos direitos aduaneiros para os Estados Unidos deveria ser o de anular este papel, de modo a que os produtores americanos deixassem de ter de ajustar a sua produção de acordo com as necessidades dos produtores estrangeiros. Por esse motivo, essas tarifas devem ser simples, transparentes e amplamente aplicadas (talvez excluindo parceiros comerciais que se comprometam a equilibrar o comércio interno). O objetivo não seria proteger setores manufatureiros específicos ou campeões nacionais, mas combater a orientação pró-consumo e contrária à produção dos Estados Unidos.
As opiniões de Pettis sobre política comercial e toda a sua maneira de pensar sobre economia internacional atraíram críticas de alguns economistas. Por exemplo, em setembro de 2023, Tyler Cowen questionou o foco no consumo doméstico chinês como alvo da política de crescimento chinesa. Como alternativa, ele sugeriu que a China deveria se concentrar em melhorar certos setores de serviços disfuncionais, como saúde, que aumentarão o consumo e a produção.
Em novembro, Pettis desabafou diante de sua frustração com o estabelecimento da economia acadêmica em um tópico:
Se você quiser entender os efeitos da intervenção comercial, a melhor alternativa é perguntar aos historiadores econômicos, e não aos economistas. Isso porque a resposta deles quase certamente refletirá pouco mais do que sua posição ideológica… Foram as tarifas diretas e indiretas que, em 10 anos, transformaram a produção de veículos elétricos da China, que estava bem atrás da dos EUA e da UE, transformando-a na maior e mais eficiente do mundo…
(…) As tarifas podem não ser uma maneira especialmente eficiente para fazer política industrial, forçando o reequilíbrio, aumentando a produção em relação ao consumo, mas uma longa história mostra que pode fazê-lo; ora, é muito ignorante ou muito desonesto da parte dos economistas não reconhecer as maneiras pelas quais elas funcionam. Opor-se a todas as tarifas por princípio mostra o quão ideologicamente histérica é a discussão sobre o comércio entre os economistas convencionais.
Tyler respondeu amargamente:
Geralmente detesto transformar o saber trazido pela revolução marginalista em ataques negativos aos outros, mas de vez em quando sinto que há uma contribuição real a ser feita. Há anos venho dizendo que Michael Pettis não entende de economia internacional e, no entanto, de alguma forma, ele é tratado como uma autoridade na imprensa financeira séria. Para mim, ele está errado.
Há, pois, uma briga entre economistas e ela versa sobre macroeconomia. Ora, eu gosto de participar desse tipo de controvérsia. Eu gostaria que Tyler tivesse elaborado suas críticas ao paradigma de Pettis; também acho que Pettis está sendo injusto em suas acusações gerais de que os seus adversários têm viés ideológico.
Mas, em todo o caso, penso que tenho quatro pontos a fazer sobre este tema.
A economia internacional é muito, muito difícil
O primeiro ponto é que, até onde eu sei, ninguém realmente entende de economia internacional. É basicamente macroeconomia com esteroides. Há muitos fatores que tornam muito complexas as questões de tarifas, superávits comerciais e o efeito do comércio sobre consumo versus investimento. Alguns desses fatores são:
Existem muitos países no mundo, não apenas dois. Embora tendamos a pensar em déficits comerciais bilaterais, na verdade terceiros são muito importantes, e há muitos deles. Por exemplo, se o superávit comercial da China com os Estados Unidos diminuir, pode ser porque a China está exportando mais componentes para o Vietnã para montagem final barata, para serem enviados aos consumidores americanos.
Os ciclos de negócios são muito importantes. Se os países estão em uma situação de depressão em que as taxas de juros estão no limite inferior zero (uma “armadilha de liquidez”), uma série de resultados padrão sobre os efeitos das políticas comerciais – e resultados sobre como a política monetária e fiscal afeta o comércio – não se verificam. No momento, há sinais de que a China está nessa situação, mas o resto do mundo não.
As tarifas interagem com a política monetária e fiscal. Por exemplo, se os EUA impõem tarifas à China, a China pode tentar cancelar essas tarifas imprimindo dinheiro, o que tornaria o yuan mais barato. Esses tipos de interação dependem da compreensão de como a política monetária e fiscal funcionam (o que na verdade não sabemos) e também da compreensão de como os formuladores de políticas em países ao redor do mundo tomam decisões sobre política monetária e fiscal (o que definitivamente não sabemos).
Porque, exatamente, o comércio internacional acontece em primeiro lugar não é bem compreendido. Existe a teoria clássica da vantagem comparativa. Existem teorias baseadas em países intensivos em capital investindo em países intensivos em mão de obra. Há a “nova teoria do comércio” de Krugman, que se concentra mais na diferenciação e variedade como motivação para o comércio. E assim por diante.
Os modelos de comércio mais empiricamente bem-sucedidos são apenas equações muito simples chamadas modelos de gravidade, que são agnósticos sobre as razões que estimulam o comércio; eis que elas podem surgir de uma variedade de processos diferentes. Isso significa que realmente não sabemos a linha de base de como seria o comércio entre os EUA, a China e outros países sem as políticas industriais chinesas ou a intervenção no mercado de câmbio.
Existem todos os tipos de empecilhos e complicações que afetam o comércio, as quais são chamadas de “fricções”. Isso inclui coisas como viés doméstico no consumo e no investimento financeiro, inadimplência soberana, atritos no mercado de câmbio e assim por diante. Os economistas discutem sobre quais desses atritos produzem vários “quebra-cabeças” no comércio internacional – sobrevém desconexões entre teoria e evidência – ou se é assim que o comércio funciona em primeiro lugar.
A concorrência (também chamada de “estrutura de mercado”) pode atrapalhar tudo. O comércio é realizado por empresas, e se as empresas chinesas e americanas acabam lucrando com suas exportações e suas vendas domésticas isso afetará o comportamento delas. Ambientes competitivos domésticos e ambientes competitivos internacionais são importantes, e nenhum deles é particularmente bem compreendido.
Na pós-graduação, fiz uma aula de finanças internacionais. O professor que ministrou essa aula era conhecido por usar métodos matemáticos avançados emprestados da engenharia para fazer modelos nos quais dois atritos diferentes interagiam para afetar o comércio internacional. A sua apresentação apresentou uma grande melhoria em relação às teorias padrão que só podiam lidar com um atrito. Mas e se você tiver sete? É impossível prever qualquer coisa.
Acho que uma das razões pelas quais ninguém apresentou uma alternativa à maneira ultra simples de Michael Pettis de analisar a economia internacional é que qualquer coisa mais complexa do que isso rapidamente se transforma em um pesadelo absoluto. Fazer suposições abrangentes sobre como as tarifas afetarão a produção e o consumo não é exatamente a maneira mais rigorosa ou empiricamente testável de pensar sobre política comercial e industrial, mas se a alternativa for um enxame de matemática impraticável que provavelmente ainda faz muitas suposições simplificadoras, talvez se fique mesmo com a coisa simples.
Além disso, o paradigma de Pettis não é tão diferente de algumas das ideias heurísticas que os economistas ortodoxos usaram para analisar a política comercial. Por exemplo, as advertências de Ben Bernanke no início dos anos 2000 sobre um “excesso de poupança” global têm mais do que uma pequena semelhança com as ideias de Pettis, e os apelos do FMI para que a China “reequilibre” sua economia em direção ao consumo doméstico em meados dos anos 2000 são muito semelhantes à prescrição de Pettis.
O que me leva ao meu segundo ponto: o que quer que se pense das teorias de Pettis, acho que ele é provavelmente o teórico da economia internacional mais importante e influente do mundo hoje. O seu modo de entender a economia da China e a política comercial da China pode não agradar aos acadêmicos, mas pelo que posso dizer, ela foi implicitamente aceita pela maioria dos economistas e comentaristas do setor privado, e também por muitos formuladores de políticas. É uma versão mais pop das velhas ideias de “excesso de poupança” e “reequilíbrio”, simplificadas para consumo geral.
Quando vejo os principais formuladores de políticas econômicas da China usarem esse tipo de linguagem, tenho quase certeza de que estão lendo Pettis:
O Partido Comunista da China prometeu fazer do aumento dos gastos do consumidor um foco político maior, já que a fraca demanda doméstica ameaça a meta de crescimento anual do país, apesar de um boom de exportações… “O foco das políticas econômicas precisa mudar para beneficiar a subsistência das pessoas e promover gastos”, concordaram os líderes seniores em uma reunião do órgão decisório de 24 membros liderado pelo presidente Xi Jinping – é o que informou a agência de notícias oficial Xinhua.
Pettis não é a única pessoa a falar sobre o baixo nível de consumo da China como proporção do PIB como um problema importante, ou a defender o “reequilíbrio”. Nem ele foi necessariamente o primeiro. Mas ele tem sido o mais consistente e implacável, e hoje em dia eu o vejo citado com muita frequência. Simplificando, Pettis está vencendo este debate.
Uma maneira bem simples de Pettis estar (mais ou menos) certo
Meu terceiro ponto é que posso ver uma maneira bastante simples pela qual uma aproximação da visão de Pettis pode ser útil, se não para entender a economia internacional em geral, pelo menos para entender este “segundo choque da China” especificamente. Basicamente, contempla-se os lucros das empresas chinesas.
Até agora, os principais métodos da China para combater sua recessão induzida pelo setor imobiliário são aumentar a produção manufatureira, especialmente em indústrias de alta tecnologia de capital intensivo – máquinas, navios, aviões, carros, baterias, drones, semicondutores e assim por diante. O canal The Wire China fez uma ótima entrevista com Barry Naughton (provavelmente o maior especialista americano em políticas industriais da China) na qual ele explica o que Xi Jinping está tentando fazer:
Claro, não sabemos ao certo o que se passa na mente de Xi Jinping. Mas acho que podemos caracterizar sua abordagem assim: “Bilhões para tecnologia, mas nem um centavo para resgates’” (…) Xi Jinping realmente não se importa com o que os chineses querem comprar e querem fazer, porque isso seria apenas um PIB comum. Ele está afirmando que há algo mais fundamental do que isso: PIB de alta qualidade, que é determinado, no final das contas, pelo próprio Xi Jinping…
[Isso] leva a uma enorme má alocação de recursos, de modo que a produtividade subjacente da economia basicamente não está melhorando. Quando olhamos para o crescimento total da produtividade dos fatores… A China não está realmente experimentando um crescimento significativo da produtividade. Isso é surpreendente, porque se olharmos para essa economia que está implementando todas essas novas tecnologias, pensamos, uau, isso deve produzir algum tipo de crescimento explosivo na produtividade. Mas não se vê como isso está acontecendo…
Isso parece fundamental: por exemplo, a China está investindo em muitas fábricas de equipamentos semicondutores que estão perdendo muito dinheiro; está investindo em milhares de quilômetros de trens de alta velocidade que vão aonde ninguém quer ir.
Em outras palavras, Xi está fazendo a economia chinesa parecer um pouco mais com a antiga economia soviética, em que a produção era determinada por planos e não pelo mercado. Ele está usando bancos e política industrial para dizer às empresas chinesas que construam um monte de produtos manufaturados de alta tecnologia específicos. Ora, elas estão fazendo o que ele está dizendo para fazer.
Por que essa abordagem falhou na URSS? Em última análise, foi porque os fabricantes soviéticos eram ineficientes – eles fizeram um monte de coisas, mas as produziram com prejuízo. Isso era insustentável.
As fábricas chinesas são muito melhores do que as soviéticas. Mas se se diz aos fabricantes diferentes que todos devem produzir o mesmo material ao mesmo tempo, eles vão competir entre si, e seus lucros cairão principalmente e eles começarão a sofrer grandes perdas.
Na verdade, já podemos ver isso começando a acontecer na China:
Fonte: FT
E aqui está o que diz o sempre excelente Kyle Chan:
A indústria de fabricação de energia solar da China está lutando para impedir a expansão excessiva da capacidade; passa, por isso, por uma guerra de preços. Um conjunto de ferramentas que Pequim usa para controlar a expansão excessiva são os requisitos regulatórios mais rígidos sobre financiamento, uso de recursos e tecnologia. Mas, é claro, o diabo está na aplicação.
Vê-se esforços políticos desse tipo em uma série de indústrias que enfrentam desafios semelhantes na China: aço, carvão, construção naval, baterias, vento. Outras ferramentas políticas vão desde a redução de subsídios até moratórias definitivas sobre novos projetos ou novas empresas, como a moratória temporária da China sobre novas empresas de construção naval após a crise financeira global.
Mesmo na alardeada indústria automobilística da China, os lucros estão entrando em colapso e um abalo está ocorrendo. A outrora lendária gigante automobilística SAIC está afundando.
(Nota histórica divertida: das décadas de 1950 a 1980, um aspecto importante da política industrial do Japão era tentar evitar que os lucros das empresas japonesas entrassem em colapso por meio da superprodução e da concorrência, geralmente formando cartéis para restringir a produção nas indústrias manufatureiras. Em contraste, a China de Xi está avançando a toda velocidade para ainda mais produção.)
As empresas chinesas estão respondendo a essa situação de uma maneira muito natural – tentando exportar seus produtos quando não podem vendê-los em casa. Quando as pessoas falam sobre “excesso de capacidade” é disso que se está falando. Os lucros das exportações estão mantendo muitas empresas manufatureiras chinesas – e, cada vez mais, a própria economia chinesa – à tona.
Fonte: Banco Mundial
Exportar para sair de uma recessão é bom, muito bom – é basicamente como a Alemanha e a Coreia do Sul ignoraram a Grande Recessão no início dos anos 2010.3 Mas o boom de exportação da China é fortemente subsidiado, tanto por meio de subsídios explícitos do governo quanto – mais importante – com empréstimos bancários abundantes e muito baratos. Os subsídios são distorcivos – eles significam que a China está fabricando os carros que a Alemanha, a Tailândia, a Indonésia e outros países estariam fabricando para si mesmos se os mercados pudessem operar livremente. Ao subsidiar as exportações em uma escala tão grande, a China está distorcendo toda a economia global.
Mas, você pode perguntar, enquanto os contribuintes da China (que pagam o custo de subsídios explícitos) e os poupadores (que pagam o custo de empréstimos bancários subvalorizados) estiverem pagando a conta, por que as pessoas fora da China deveriam se preocupar com essas distorções? Basicamente, a China está pagando para que alemães, tailandeses e indonésios tenham carros baratos em vez de ter que fabricar os carros localmente. Por que alguém deveria estar com raiva?
Bem, há três razões. Em primeiro lugar, se uma onda de exportações chinesas subvalorizadas desindustrializar à força o resto do mundo – uma possibilidade que com certeza Xi Jinping considerou – isso poderia enfraquecer a capacidade do mundo de resistir ao poder militar da China e de representantes chineses como Rússia e Coréia do Norte. Isso é assustador.
Em segundo lugar, mesmo que um monte de coisas chinesas baratas pareça um presente no curto prazo, isso pode criar desequilíbrios financeiros que causam bolhas e quebras em outros países. Esta é a hipótese do “excesso de poupança” que vem explicar por que a economia global caiu após o “primeiro choque da China” nos anos 2000.
E terceiro, uma enxurrada de coisas chinesas baratas pode causar interrupções e caos em outras economias, prejudicando muito muitos trabalhadores, mesmo que ajude um pouco a maioria dos consumidores.
Michael Pettis também argumenta que os produtos chineses baratps na verdade tornam os americanos mais pobres, reduzindo tanto a sua produção doméstica a tal ponto que os americanos acabam consumindo menos. Sou altamente cético em relação a esse argumento, já que um princípio básico da economia é que as pessoas não fazem voluntariamente coisas que as tornam mais pobres. Mas talvez a fraqueza militar, a instabilidade financeira e as interrupções no mercado de trabalho sejam assustadoras o suficiente.
Então, o que os países devem fazer para evitar isso? As tarifas são uma resposta óbvia. Se o mundo aumentar as tarifas sobre a China o suficiente, as taxas de câmbio terão dificuldade em se ajustar e os produtos chineses terão dificuldade em penetrar nos mercados estrangeiros. As empresas chinesas terão então que recorrer ao seu mercado doméstico. Isso intensificará o efeito da concorrência e reduzirá seus lucros muito mais rapidamente.
Quanto mais cedo os lucros das empresas chinesas entrarem em colapso, mais cedo elas reduzirão a produção. Provavelmente, elas também pressionarão o governo a parar de subsidiar a superprodução, a fim de diminuir o efeito competitivo e se manter as contas no azul. Essa pressão política pode ser o que finalmente leva Xi Jinping e o PCC a mudar o modelo econômico da China, reduzindo os incentivos à superprodução.
Isso seria bom para os consumidores chineses. Eles recebem uma enxurrada temporária de produtos baratos quando as empresas chinesas inundam o mercado doméstico. Quando o governo da China reduzir os incentivos fiscais e financeiros para a superprodução, os contribuintes e poupadores da China receberão um alívio muito necessário. E, a longo prazo, uma economia chinesa menos distorcida seria boa para a produtividade, uma vez que os recursos seriam desviados para setores que têm mais espaço para melhorias, como saúde e outros serviços.
Este cenário não é exatamente o que Pettis imagina, mas está razoavelmente próximo. Ele indica tarifas para forçar a China a reequilibrar seu modelo de produção para consumo, beneficiando o povo chinês comum. E é muito fácil entender esse cenário em termos de conceitos econômicos ortodoxos bastante padrão – subsídios, distorções, produtividade e competição – além de um pouco de economia política.
Agora, isso não significaria que o paradigma de Pettis estaria certo em geral. Esse cenário só funcionaria por causa das características únicas da política industrial chinesa e da política interna chinesa. Mas como o “segundo choque da China” é uma das coisas mais importantes que estão acontecendo na economia global agora, acho que há uma chance de que o paradigma de Pettis esteja se tornando útil.
Pettis precisa pensar mais sobre as desvantagens das tarifas
Dito isso, acho que também é possível que Pettis esteja ignorando ou (mais provavelmente) minimizando algumas das principais armadilhas de sua abordagem. Este é o meu quarto ponto.
Pettis assume que, como os Estados Unidos têm um grande déficit comercial, as tarifas aumentariam a produção manufatureira e o PIB, mas também o consumo dos EUA. Este último poderia demorar, mas acabaria aumentando. Ele escreve:
Ao tributar o consumo para subsidiar a produção, as tarifas modernas redirecionariam uma parte da demanda dos EUA para aumentar a quantidade total de bens e serviços produzidos em casa. Isso levaria o PIB dos EUA a subir, resultando em mais empregos, salários mais altos e menos dívidas. As famílias americanas seriam capazes de consumir mais, mesmo com o declínio do consumo como proporção do PIB.
Mas as tarifas de Trump em seu primeiro mandato não fizeram nada disso. A produção industrial realmente diminuiu depois que Trump aumentou suas tarifas:
Também não houve aumento na construção de fábricas; isso só aconteceu quando Biden assumiu o cargo e promulgou políticas industriais (a Lei CHIPS e o IRA).
Também não houve muita ação no déficit comercial. Se você apertar os olhos com muita força, poderá ver uma pequena melhora logo antes do início da pandemia, mas depois um colapso total:
O que aconteceu? Duas coisas. Primeiro, o dólar americano se valorizou em resposta às tarifas, cancelando pelo menos parte do efeito. Em segundo lugar, os fabricantes dos EUA sofreram quando tiveram que pagar muito mais por peças e componentes. Esses são problemas muito gerais com as tarifas como política. Ccitarei agora Matthew C. Klein, coautor do livro Trade Wars are Class Wars with Pettis, e que recentemente escreveu um artigo explicando como as tarifas podem facilmente sair pela culatra:
Os gastos com importações de manufatura tendem a acompanhar o ciclo de negócios e novos pedidos de produtos fabricados nos Estados Unidos. A imposição de tarifas “universais” altas o suficiente para forçar essas importações a caírem mais de 40% para fechar o déficit comercial provavelmente envolveria uma grave desaceleração econômica que prejudicaria os americanos mais do que qualquer outra população. Para evitar essa dor, a produção doméstica desses mesmos bens teria que aumentar o suficiente para cobrir a lacuna – e aumentar rápido o suficiente para evitar escassez e inflação. A experiência da pandemia sugere que esta não é uma opção realista…
Outro impacto contraintuitivo é que o dólar tende a se tornar mais caro em resposta à imposição – ou ameaça – de novas tarifas. [Isso] significa que os produtos fabricados nos EUA se tornam mais caros para os clientes no resto do mundo. O efeito líquido é que as tarifas geralmente atingem mais as exportações do que as importações, mesmo quando os parceiros de comércio exterior não conseguem retaliar.
Pettis realmente não parece lidar com nenhum desses pontos. É possível que ele acredite que as tarifas do primeiro mandato de Trump foram um fracasso porque a China simplesmente redirecionou suas exportações através do Vietnã; neste caso, colocar tarifas sobre todos os outros países, como recomenda Pettis, fecharia essa lacuna. Mas isso ainda não lidaria com a questão da valorização da taxa de câmbio.
A menos que as tarifas sobre o resto do mundo sejam tão grandes que sobrecarreguem a capacidade do dólar de se ajustar para compensar, algum tipo de intervenção financeira para manter o dólar fraco seria necessário para tornar as tarifas eficazes. Pettis sugeriu tributar as entradas de capital, o que poderia resolver o problema, mas esse tipo de intervenção não parece estar na mesa para o governo Trump.
E Pettis também não consegue lidar com o problema dos bens intermediários. Os EUA não se beneficiariam de voltar ao tipo de economia quase autárquica tal como ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial – a tecnologia mudou demais para qualquer país prosperar enquanto se isola do resto do mundo. Os EUA podem fortalecer internamente as suas cadeias de suprimentos até certo ponto, mas não importa o que aconteça, os fabricantes dos EUA ainda terão que encomendar alguns materiais, peças e componentes no exterior. Ainda não vi Pettis sugerir uma solução para esse problema ou pensar muito sobre o fracasso das tarifas de Trump em aumentar a produção industrial nos EUA há seis anos.
Portanto, embora eu ache que o paradigma de Pettis provavelmente faz um bom trabalho ao lidar com as características únicas do “segundo choque da China” e da economia política da China, não acho que devemos nos apressar em torná-lo nosso paradigma padrão geral para pensar sobre comércio, tarifas e economia internacional em geral. Ainda precisa de muito detalhamento.





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