Apresenta-se abaixo um escrito de Jon Mills, um psicanalista que se define como hegeliano, sobre a questão da pulsão de morte em Freud. Ao invés de tomar a pulsão de vida como primeira e a pulsão de morte/agressão como interversão desta em decorrência do surgimento de barreiras internas/externas respectivamente à realização dos desejos, ele, tal como o pai da psicanálise, procede de modo contrário.
Eis o texto de Jon Mills
O que poderia ser mais banal do que a morte, do que o inevitável, se ela é previsível, algo totalmente certo? É banal em virtude do fato de ser um evento que se imagina como rotineiro – algo inevitável. A morte não pode ser abolida ou superada. Por isso, Heidegger em Ser e tempo confessa que ela “está diante de nós – como algo fatal e iminente – nosso projetar – que pode ser adiado e, até mesmo, negado.
Para Freud, a morte é muito mais do que o evento que está diante de nós; em vez disso, ela reside dentro de nós, pois vem a ser um impulso para a aniquilação. Mas antes da vontade de matar, existe em nós um impulso mais insidioso, a saber, o desejo de se suicidar. Assim, a banalidade da morte não consiste apenas em algo que acontece conosco, mas no que somos – que está em nosso ser interior – e que pode apenas ser vivenciado de novas maneiras, repetidamente, tortuosamente, ad nauseam.
Para Freud em Lições introdutórias em psicanálise, o trabalho do impulso de morte está, em última análise, a serviço de restaurar ou restabelecer um estado anterior indiferenciado interno ao nosso ser, um impulso “que busca acabar com a vida para restabelecer um estado inorgânico”. Freud não argumentou que a morte era o único objetivo da vida; sustentou apenas que ela mantinha uma tensão dialética e em justaposição com um princípio de vida, este sob o comando do velho Eros. Contudo, para ele, as duas forças da mente permaneciam ontologicamente inseparáveis.
A força do negativo é tão presente na prática psicanalítica que é desconcertante ver a pulsão de morte permanecer, até hoje, como um princípio questionável pelos psicanalistas. Do ponto de vista fenomenológico, é impossível negar a força e a presença do negativo. O noticiário noturno mundial não trata de nada além de morte, destruição, caos, conflito, tragédia e agonia humana. Mesmo aqueles que defendem um modelo de autodestruição como trauma puro ou negatividade externalizada para explicar a agressividade humana devem lidar com elementos organizadores inerentemente destrutivos que colocam o organismo em perigo no seu próprio interior.
Até mesmo a ciência médica fica perplexa com as forças geradas internamente (por exemplo, câncer, AiDs, esclerose lateral amiotrófica) que drenam a vida do organismo saudável por meio de ataques perpetrados por seu próprio sistema imunológico ou por sua própria constituição endógena. Considere os processos paradoxais que tornam o sono regressivo e restaurador; veja-se, particularmente, como dormir está associado ao desejo de “retornar a um estado de paz, tranquilidade ou “quietude” oceânica – talvez um desejo de um estado sem tensão, talvez mesmo um retorno ao útero. O sono excessivo também é um dos sintomas mais salientes da depressão clínica e da vontade de morrer.
Além disso, seria inconcebível argumentar que a agressão externalizada, que ocorre no âmbito da humanidade, não seja inerentemente autodestrutiva já que gera mais ódio retaliatório, agressão e caos, o que ameaça o acordo mundial e a progressão das sociedades civis. Dada a onipresença global da guerra, genocídio, atrocidades geopolíticas e envenenamento de nossos ambientes naturais, é bem provável que nós, como raça humana, vamos morrer por ações provocadas por nossas próprias mãos – e não pelas forças impessoais da natureza. Homo homini lúpus – ou seja, o homem é o lobo do homem.
A psicanálise contemporânea parece não se interessar pelos textos clássicos de Freud sobre a primazia da morte, a ponto de serem descartados sem sequer terem sido lidos, simplesmente porque autoridades confiáveis no campo dizem que isso não faz sentido. Tenho em mente a campanha da teoria contrária à ideia de pulsão mantida pela escola relacional. Na minha opinião, aqueles que argumentam contra a pulsão de morte simplesmente não compreendem a complexidade inerente, a falta de concretização, o anti-reducionismo, assim como a não linearidade do que Freud ofereceu a seus leitores.
Os críticos afirmam que a pulsão de morte desafia a biologia evolutiva e que, por isso, deve ser uma conjectura falsa. Mas essa crítica está apenas desvirtuando a questão do que queremos dizer com morte. E, mais especificamente, o que queremos dizer com a função da morte na realidade psíquica. Ou, para ser ainda mais preciso, como a morte é organizada como experiência inconsciente. Só porque uma espécie é organicamente impelida a prosperar não significa que ela seja desprovida de princípios destrutivos derivados de sua própria constituição – princípios estes que colocam em risco sua existência e multiplicação.
Pode-se afirmar logicamente que a vida só é possível por meio da força do negativo; eis que as maiores realizações e os melhores desenvolvimentos surgem da destruição do velho. Este é o significado positivo do negativo: há aqui um artefato da realidade psíquica já que esta tem por fonte a negação e a angústia interior, mas, ao mesmo tempo, supera assim a queda na dor psíquica. Os psicanalistas costumam ficar confusos por verem a morte como meramente um estado final físico ou o término da vida. Ora, é preciso lembrar aqui da morte como um princípio ontológico primário que informa a trajetória de toda atividade psíquica. Aqui a morte é filogenética (phulon, classe; Geneia, nascida).
A morte tem múltiplas interpretações e significados na experiência consciente; contudo, eles se opõem radicalmente à lógica da negatividade que se encontra na semiótica do inconsciente. A morte é uma categoria ontológica para a experiência inconsciente; não se pode ter ilusões sobre a sua existência psíquica. Isso ocorre porque o que sabemos ou professamos conhecer de maneira epistêmica a partir da experiência interior mediada é sempre baseado em nossa relação sentida com a morte, isto é, com a força primordial de negação repetitiva, conflito e destruição que nos alerta para o ser e a vida, uma dialética que é ontologicamente inseparável e mutuamente implicativa. O que chamamos de força vital, impulso, impulso ou ímpeto está intimamente conjugado com sua oposição pulsional, isto é, sua negação, término ou falta. Aqui vida = morte: ser e nada são iguais.
Freud nunca usou o termo “instinto de morte” para se referir à propensão inata do organismo para a destruição; em vez disso, ele usou o termo Todestrieb, o qual é mais bem traduzido por “pulsão de morte”. Os filósofos deram grande importância ao papel da morte e da destruição na constituição da subjetividade humana, mas Freud dá a ela primazia paradigmática como a força ontológica por trás das origens da mente.
Essa interpretação só pode ser devidamente apreciada depois que entendermos como a libido e, mais tarde, Eros nascem da morte, um processo cujos detalhes estão bem articulados em Além do Princípio do Prazer. A atribuição de centralidade da morte feita por Freud resultou de uma laboriosa evolução teórica; essa noção que ganhou crescente utilidade conceitual e clínica à medida que suas ideias avançavam, com base na apropriação de novos dados clínicos, sem mencionar o fato de que a morte e a decadência tinham uma profunda ressonância em sua vida pessoal.
No entanto, Freud nem sempre foi favorável à primordialidade da destruição: sua posição inicial era subordinar a agressão à libido ou torná-la um derivado dela. A ambivalência de Freud sobre o papel constitutivo da morte constituiu uma tensão visível em seu pensamento desde sua disputa com Adler sobre a existência de um “impulso agressivo” (Aggressionsbetrieb).
Podemos ainda observar suas próprias confissões pessoais sobre seu desconforto com o vínculo inextricável entre sexo e morte, a ponto de que precisam ser reprimidos. Freud apresentou essa narrativa já em 1898, embora mais tarde ele tenha elaborado seus pontos de vista mais detalhadamente em A Psicopatologia da Vida Cotidiana.
Independentemente de sua ambivalência, Freud estava preocupado com a natureza e o significado da morte e sua influência no funcionamento mental desde seus primeiros escritos psicanalíticos. Em uma de suas primeiras comunicações com Fliess, ele discute como os desejos de morte são “dirigidos nos filhos contra o pai e nas filhas contra a mãe”. Esta passagem pode ser indiscutivelmente a primeira alusão de Freud ao complexo de Édipo.
Morte, destruição, angústia e tumulto não apenas se tornam as propriedades conflituosas da psique tanto no conteúdo quanto na forma, mas formam também o edifício ontogenético do submundo – “caos, um caldeirão cheio de excitações fervilhantes” – como diz. Além disso, Freud faz da morte uma condição ontológica a priori do surgimento da subjetividade humana que é “filogeneticamente” impressa e estabelecida dentro dos processos estruturais primevos que constituem nossos esforços inconscientes.
Freud situa esses esforços dentro de uma tendência inerente à autodestruição que está em constante combate com o ímpeto contrário de crescimento e maior unificação – em outras palavras, essa é a dialética da vida e da morte. No entanto, em Além do princípio do prazer, Freud finalmente faz da morte o “primeiro impulso”, uma compulsão para retornar a um estado inanimado original. De fato, em Lições introdutórias em psicanálise, Freud nos diz que a pulsão de morte “não pode deixar de estar presente em todos os processos vitais”. É inerente a todo o processo de civilização, que está “perpetuamente ameaçado de desintegração”; e isso lhe pareciatão visivelmente quanto o trabalho de Eros em prol da sobrevivência.
Freud baseou-se em sua introdução do princípio destrutivo em 1926 e forjou sistematicamente sua dupla classificação das pulsões em 1923; mostrou sua presença no masoquismo em 1924; tornou-o um componente-chave da ansiedade em 1926; e, em seus últimos dias, confessou em sua monografia publicada postumamente, Um Esboço da Psicanálise, que a morte é inseparável de Eros, que “dá origem a toda a variedade dos fenômenos da vida”. Portanto, a morte se torna a pedra de toque necessária e o catalisador da existência psíquica. Há aqui, de fato, uma tese filosófica muito séria.
Mas como a morte adquire uma posição tão primária na psique? Em outras palavras, como a morte está no interior da psique desde o início? Em Além do princípio do prazer, Freud fornece uma explicação inicial apelando para o que havia observado, ou seja, o fenômeno da repetição. Ele notou isso nas neuroses traumáticas, particularmente em pessoas que sofriam de estresse pós-traumático devido aos efeitos perniciosos da I Grande Guerra. Eis que elas eram continuamente submetidas, em sonhos, a pensamentos, fantasias e percepções horríveis, repetindo assim os momentos traumáticos com que haviam se defrontado anteriormente. Na verdade, aqui estava a primeira grande emenda de Freud à sua tese de que os sonhos representavam a realização disfarçada de um desejo.
Pelo contrário, os sonhos traumáticos eram experimentados como uma nova carga de ansiedade contra a realização de um desejo. E por um bom motivo. Nessas circunstâncias, a psique está lutando contra o que havia internalizado por meio de surpresas indesejadas, emboscadas e impactos – ou seja, puro terror. A ansiedade, contudo, é uma moção de sobrevivência.
Contudo, Freud se volta também para experiências mais normativas de separação da figura primária de apego (ou seja, a mãe), introduzindo assim a ansiedade, o abandono e a perda como um ímpeto para a repetição. Na verdade, ele usa seu próprio neto, Ernst, como exemplo – a famosa narrativa “fort-da”– canonizando assim a ambivalência e o desamparo associados à ansiedade da incerteza e da raiva pelo desaparecimento de um objeto de amor.
Em suma, Freud observara o seu neto de dezoito meses inventar um jogo que envolvia atirar para longe vários objetos, principalmente os seus brinquedos, e simultaneamente dizer “0-0-0”. O jogo estava associado a ausência da mãe durante certos períodos do dia. Freud o interpretou de um modo linguístico, pois “fort” em alemão significa “foi”. Contudo, o seu neto descobrira também que podia fazê-los voltar depois de jogá-lo fora, o que era seguido por um alegre “da”, que significa “la”.Assim, Freud não apenas ilumina o motivo que impulsiona uma repetição (ou seja, uma luta por “domínio” de uma situação), mas também mostra o elemento econômico que “trouxe consigo um rendimento de prazer de outro tipo”.
A agressão inerente envolvida em jogar o brinquedo fora, juntamente com o desfazer da destruição por meio da satisfação de seu reaparecimento, mostrou-lhe como esse jogo infantil serve para recapitular a perda por meio do retorno. Freud é sugestivo, mas ele não diz realmente que esse rendimento de satisfação de “outro tipo” é alcançado no contexto da ausência, da falta ou do nada, uma propriedade da morte. A morte entra em “todo processo vital”, e este é certamente o caso entre a dialética da presença e da ausência, do ser e do nada, da abundância e da falta.
A natureza da repetição naturalmente leva Freud a examinar o fenômeno da autodestruição, o que ele observa na natureza da própria psicopatologia, a “compulsão de repetir” o trauma por meio da formação de sintomas, um tópico que ele abordara anteriormente em “Lembrando, repetindo e trabalhando” (Freud 1914). A morte se manifesta em repetições de pensamento, fantasia e comportamento; em parapraxias; no masoquismo e no sadismo; em sintomas como melancolia, na paranoia e na psicose; e no estranho, só para citar algumas manifestações.
A sombra da morte impregna os conteúdos reprimidos e eles encontram expressão por meio da repetição do próprio material inconsciente tal como está acontecendo no momento, em vez de lembrar o que ocorreu no passado. Quando os eventos reprimidos assumem a forma de “novas experiências” em vez de serem devidamente atribuídos como reproduções do passado, a realidade é obscurecida pela negatividade, contágio afetivo, fantasia paranoica e, posteriormente, sofrimento qualitativo. Essas repetições, impulsionadas por compulsões internas, não trazem satisfação, apenas “desprazer”.
Esse enigma levou Freud a acreditar que a vida instintiva era impulsionada por mais do que apenas descarga libidinal e “que realmente existe na mente uma compulsão à repetição que anula o princípio do prazer”. Ele precisava ir mais fundo do que simplesmente confiar em suas explicações habituais. Ele precisava encontrar algo “mais primitivo, mais elementar, mais instintivo do que o princípio do prazer que ele anula”.
Para além do empírico, Freud não teve outro recurso senão empregar a lógica inferencial; formulou, então, o que ele cuidadosamente chamou de “especulação” e “especulação muitas vezes rebuscada”. Apesar de seus críticos terem rejeitado a pulsão de morte por motivos evolutivos, acusando-a de supostamente trair a biologia darwiniana (Sulloway em Freud: biologist of mind; Webster em Why Freud was wrong), não há nada de “rebuscado” no aceitá-la. Conforme penso, a pulsão de morte é a maior contribuição teórica de Freud para a compreensão da dinâmica da mente inconsciente. Vamos, pois, explorar essa noção mais detalhadamente.
Freud apresenta o seu argumento na linguagem da embriologia; postula, assim, que um organismo vivo, mesmo em sua forma mais simples, está em um estado de indiferenciação; contudo, ele é “suscetível ao estímulo das muitas forças que compõem o mundo externo”. Freud conjectura que o organismo deve ter uma capacidade intrínseca de se proteger de estímulos poderosos por meio de um processo de resistência internamente operativo e sensível a invasões intrusivas da externalidade que ameaçam sua destruição potencial. A mente humana não é exceção dentro dessa lógica.
Aqui, todo o discurso de Freud se mostra como uma economia de energia que existe para transformar estímulos a serviço da autopreservação, defendendo-os assim de estímulos externos e internos que criam estados de desprazer. Este exemplo da embriologia é estendido ao aparelho psíquico, mais uma vez o que Freud mais tarde se referiu como a alma (Seele). Aqui o papel do trauma se torna primordial. Veja-se que Freud está se referindo especificamente a eventos externos que têm a capacidade de romper a barreira protetora e inundar o registro mental com estados excessivos de excitação, tornando-o incapaz de dominar ou amarrar a brecha ou encontrar modos apropriados de descarga.
A chamada “neurose traumática” resulta de uma extensa violação da barreira protetora ou dos sistemas de defesa, o que leva assim a uma compulsão à repetição. Freud diz que isso mostra o alto grau do caráter “instintivo” (Triebhaft). O que elequer dizer como isso? O grau de urgência sentida pela psique, às vezes, ele o iguala à possessão por um poder “demoníaco”. Aqui é interessante notar a escolha de palavras de Freud: “demoníaco” não significa apenas possessão por um demônio, mas também é derivado do grego daimon, que é uma força criativa ou poder divino.
Sob a pressão de forças externas perturbadoras, surge um impulso ou pulsão que tende à repetição, com o objetivo de retornar a um estado anterior de indiferenciação, uma “expressão da inércia inerente à vida orgânica”. É aqui que Freud estende sua hipótese de que todos os impulsos visam a uma restauração de eventos ou modos de ser anteriores, ou seja, a quietude não modificada. Como os impulsos são “conservadores” – isto é, seguem uma economia reguladora e conservadora de energia –, como são adquiridos histórica e filogeneticamente na espécie e tendem a processos restauradores que mantêm um imediatismo original e descomplicado – Freud especula que uma “entidade viva elementar” não teria desejo de mudar, apenas de manter seu modo atual de existência.
Aqui Freud atribui o processo de desenvolvimento orgânico à pressão disruptiva de fatores externos que colidem com o estado quiescente do organismo, fatores que ele é obrigado a internalizar e repetir. É aqui que o organismo adquire o telos para retornar ao seu estado inorgânico original. Aqui Freud convoca Horácio: mors ultima linea rerum est – a morte é o objetivo final das coisas. Como Freud coloca de forma concisa: “o objetivo de toda a vida é a morte”, ênfase no original. Portanto, o primeiro impulso surge como uma tensão introduzida por uma força extrínseca que estimula o impulso a se anular. É aqui que a gênese da vida orgânica se torna a morte, ela mesma a “origem e o objetivo da vida”.
É importante notar que Freud está tentando delinear uma filosofia do processo orgânico isolando a “origem” (Herkunft) da vida dentro de uma ontologia psíquica constituída pela morte. O que Freud faz com a morte é torná-la um atributo interno e um ímpeto, originalmente convocado de dentro da própria psique, que é despertado por um estímulo externo. De acordo com Freud, todos os organismos vivos morrem por “razões internas”, isto é, a morte é provocada pela cessação da atividade derivada internamente. Em outras palavras, a morte não é meramente executada por uma força estranha; em vez disso, é ativada por motivos endógenos.
Mas a morte não acontece de qualquer maneira: ela deve ser executada pelo próprio agente; mais especificamente, ela deve ser alcançada pelo ego inconsciente alinhado com a realização do desejo de sua própria destruição. Aqui a psique recebe determinados graus de liberdade para “seguir seu próprio caminho para a morte”, isto é, para realizar seu fim moldado de acordo com suas próprias mãos. Mas esse fim é na verdade um retorno ao seu início, uma recaptura, uma recapitulação de seu imediatismo inorgânico quiescente.
É por isso que Freud pensava que as forças inconscientes que operavam na repetição estavam, em última análise, a serviço da autodestruição na forma de um desejo de retornar a uma condição indiferenciada original. No entanto, como o ímpeto para a morte é derivado internamente, o ego pode se apoderar de muitas escolhas em seu trabalho de morte, que é realizado através das rotas tortuosas e desvios que frequentemente acompanham os fenômenos variados da vida. Embora o telos final de um impulso e, portanto, a sua causa final, seja a morte, ele só pode ser desfrutado por meio de adiamento por volição inconsciente.
É por isso que Todestrieb está além do princípio do prazer: não apenas precede os impulsos de preservação da vida, mas também os coloca como um impulso organizacional supraordenado. E é assim que os instintos de vida, ou Eros, aproveitam o poder da morte para servir a seus próprios propósitos evolutivos transformadores. Aqui a evolução não é apenas uma conformidade inquestionável com os princípios darwinianos orientados para um único objetivo; em vez disso, é uma organização interna modificada orientada para modos mais elevados de existência e autodesenvolvimento por meio de adaptação defensiva forjada por meio de incursões em conflito, negatividade e morte.
Mas o que será da morte se a vida vem substitui-la? O que Freud conclui destaca particularmente seu gênio, pois a morte está, em última análise, a serviço do princípio do prazer. Este é um movimento teórico muito delicado e só é bem-sucedido quando se observa a sua lógica dialética como a confluência de oposição mutuamente implicativa que compartilham uma unidade comum. Seguindo as leis da economia psíquica, o princípio do prazer é uma tendência a libertar a psique da excitação, ou pelo menos a minimizar os níveis de estimulação para que haja um grau tolerável de constância.
A condição última do prazer seria, portanto, um estado livre de tensão: por meio desse fim, a cessação da tensão representaria sua realização, portanto, sua conclusão. A partir desse relato impessoal da teleologia inconsciente, o que poderia ser mais prazeroso do que a morte, do que o não-ser? A morte é um estado sem tensão, paz não adulterada. Mas a teleologia de Freud não é estritamente aristotélica: embora a mente inconsciente aponte para a morte, ela tem a capacidade de escolher seu próprio caminho para a autodestruição.
É somente sob essa condição de liberdade determinada que a psique pode realizar seu próprio fim, o que torna o trabalho da morte inerente aos processos de melhoria da vida que repudiam a vontade de autodestruição enquanto a abraçam. Aqui podemos observar duas forças opostas operando dentro do único propósito do princípio do prazer: morte e vida são ontologicamente conjugadas, mas diferenciadas uma da outra. É aqui que a classificação dual de Freud das pulsões se mostra bem solidificada.
Lembre-se de que, para Freud, a morte é o impulso original na psique embrionária e que ela é transformada pelas forças vitais que dele emergem, mas depois a combatem, provocando assim uma duplicação do negativo. Freud é claro ao dizer que a morte e seus derivados ou representantes, como agressão e destruição, bem como Eros e suas manifestações de libido ou os processos de melhoria da vida que promovem a autopreservação e o avanço, estão “lutando uns com os outros desde o início”.
Aproveitando e desviando os poderes internos da morte, o princípio destrutivo deve ser desviado para fora, o que serve à progressão libidinal da psique em sua ascensão ao autodesenvolvimento. Os impulsos sexuais ou libidinais tornam-se assim definidos e refinados em oposição às forças concorrentes que procuram provocar sua morte ou decadência prematura. Aqui, a força vital está em desacordo com sua antítese destrutiva, ambas unidas em conflito, mas pontuadas por momentos oscilantes de auto manifestação. Freud, na verdade, não bifurcou as pulsões em Eros e Tânatos, apesar de suas formas duais aparentes; pois, ele observou que cada uma delas sempre interpenetra a outra e que, portanto, elas não são ontologicamente separadas.
Em Civilização e seus descontes, Freud vacilou, até hesitou, no que diz respeito à sua tendência para uma visão dualista das pulsões versus uma ontologia monista do desenvolvimento e, dessa forma, permaneceu um dialético completo ao conceber a mente como “uma bipolaridade original em sua própria natureza”. Melanie Klein continuou essa tradição de justapor oposições, mas deu à pulsão de morte um status ainda mais proeminente: a morte tornou-se o meridiano da organização mental. No primeiro livro de Melanie Klein, A psicanálise das crianças, ela faz sua primeira referência à pulsão de morte, que ela toma de Freud com todo o coração.
Sob a influência das visões de Abraham sobre a oralidade, Klein se interessa pelo fenômeno do sadismo infantil, que ela atribui à tensão entre a polaridade dos instintos de vida e morte. É especificamente no contexto do desenvolvimento inicial da origem do superego que Klein apreende a pulsão de morte e a torna um catalisador chave no processo emergente do funcionamento mental do bebê. Klein vê a fusão dos impulsos duais como ocorrendo no nascimento, as forças destrutivas emanando ainda mais de dentro do bebê e em resposta à libido insatisfeita, culminando assim em ansiedade e raiva, o que apenas fortalece os impulsos sádicos.
Aqui Klein vê a fonte da ansiedade como fluindo diretamente do princípio destrutivo direcionado ao organismo; ela alerta reativamente o ego para o perigo e o desamparo diante da aniquilação. Como afirma Klein, “a ansiedade se originaria da agressão”. Não apenas a criança experimenta ansiedade em resposta a seus próprios impulsos autodestrutivos, mas também teme objetos externos que são o lócus de seu sadismo, agora adquirindo uma fonte secundária de perigo.
Aqui Klein introduz a divisão do ego como uma tentativa defensiva de negar e reprimir o reconhecimento de suas fontes internas de ansiedade alimentadas pela pulsão de morte: objetos de frustração, ódio, raiva e sadismo são agora vistos como a fonte exclusiva de perigo, desviando assim a natureza dual da ansiedade ao transpor a interioridade para a exterioridade. Esta é a primeira manobra de divisão, projeção e paranoia que transparece no ego, que “procura se defender destruindo o objeto”.
Klein radicaliza a presença da pulsão de morte e da ansiedade na mente embrionária. A morte cria ansiedade, levando assim aos processos de desenvolvimento de posições esquizoides, paranoicas e depressivas, mais tarde recapturadas no despertar das tendências edípicas, mas primeiro originadas dentro do próprio organismo e defensivamente desviadas para objetos externos. Esse processo torna-se, assim, o ciclo antediluviano de identificação projetiva: toda a função arquitetônica da maturação psíquica se baseia na instanciação e transformação da morte.
O trabalho da morte permeia a ontologia da subjetividade instanciada por meio de seu desdobramento experiencial, o que Hegel atribui à dialética da mente tanto em seu amadurecimento quanto em sua decadência. A morte permeia o ser, desde suas regiões inferiores arcaicas até o triunfo que Geist desfruta ao vencer momentos anteriores da experiência, ela própria o resultado da anulação e superação, apenas para voltar à escuridão – o abismo. Freud (1923d) nos diz que a morte funciona em grande parte “em silêncio”, uma posição que ele mais tarde reformularia.
No entanto, para Klein, não há nada de silencioso sobre a morte: ela grita violentamente no início da psique, uma barragem intrínseca predeterminada de negação, ataque e desolação, um inferno sitiado por suas próprias chamas. Aqui Freud é radicalizado: a mente se torna apocalíptica. Ativa no momento do nascimento, a morte empresta estrutura à mente embrionária, uma facticidade que satura todos os aspectos do desenvolvimento inicial do ego. Em Klein, a morte encontra seu auge como a fonte da vida psíquica.
Mesmo que os críticos considerem a pulsão de morte teoricamente insustentável, ainda acredito que é uma heurística clínica útil que orienta a prática terapêutica. O que nós, como analistas, enfrentamos todos os dias é a autodestrutividade inerente de pacientes que não conseguem encontrar amizade nem alívio do conflito psíquico e das repetições que alimentam seu sofrimento. Essas capacidades inerentes à autodestruição não estão meramente localizadas em fontes externas, pois são interiorizadas e internalizadas, tornando-se assim os princípios da morte da organização em ação em uma miríade de níveis de experiência inconsciente.
As capacidades inerentes à autodestruição tomam muitos caminhos tortuosos e comprometidos, algo que os teóricos modernos do conflito atribuiriam à formação de sintomas, vícios, autovitimização, padrões perniciosos de recorrência e comportamentos prejudiciais que aceleram a deterioração física ou problemas de saúde. Todas essas tragédias podem ser agravadas por traumas e aflições externas, que Freud identificou pela primeira vez em seu modelo de trauma de histeria. No entanto, isso não nega necessariamente a presença de agressões deletérias derivadas internamente voltadas contra o eu.
Vemos isso todos os dias no consultório. Da culpa opressiva, da vergonha incapacitante, da raiva explosiva, do ódio contagioso, da auto-aversão e da agonia sintomática insuportável, há um apelo perverso ao sofrimento, ao abraço ao nosso gozo masoquista – nosso êxtase na dor. Seja na forma do desejo de um viciado por uma garrafa ou de um cigarro, há uma destrutividade inerente imbuída no próprio ato da busca do prazer. Todos os aspectos da progressão da civilização e de sua decadência são o cumprimento teleológico determinado do trabalho de morte.

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