A economia dos EUA prosperará! – segundo Roubini

Como se sabe, Nouriel Roubini era conhecido como “doutor estouro” (doctor doom, em inglês) em razão de sua vocação para prever as crises vindouras do capitalismo; porém, agora passou a ser chamado de “doutor estrondo” (doctor boom, também em inglês), porque está prevendo um futuro muito promissor para a economia dos Estados Unidos da América do Norte, em razão das transformações tecnológicas em curso e de uma suposta excelência dos mercados.

 Curiosamente, o seu último livro Megathreats (abaixo referido), que versa sobre as mega-ameaças ao futuro da humanidade, justifica ainda o epiteto anterior. Mesmo duvidando do acerto dessa predição, publica-se aqui o seu último escrito para que possa ser eventualmente discutido pelos interessados. Veja-se também o escrito anterior que ia no mesmo sentido.

Autor: Nouriel Roubini [1]Project Syndicate – 6/08/2025

Embora não haja dúvida de que a agenda econômica de Donald Trump seja potencialmente estagflacionária, estão se desenvolvendo nos Estados Unidos algumas das inovações tecnológicas mais importantes da história da humanidade. Isso trará benefícios que superam em muito os custos das atuais políticas comerciais, assim como de outras políticas imprudentes.

Desde o “dia da libertação”, em 2 de abril de 2025, quando Donald Trump anunciou a imposição de tarifas comerciais abrangentes sobre amigos e inimigos, a sabedoria convencional sobre as perspectivas de curto e médio a longo prazo da economia dos EUA tem sido pessimista.

Eis que tarifas mais altas causarão uma recessão nos EUA e global. O excepcionalismo dos EUA acabou. Os déficits fiscais e em conta corrente dos Estados Unidos se tornarão insustentáveis. O status do dólar americano como a principal moeda de reserva global terminará em breve. O dólar se desvalorizará drasticamente ao longo do tempo.

É certo que algumas das políticas anunciadas por Trump justificam esse pessimismo. As tarifas, o protecionismo e as guerras comerciais provavelmente terão efeitos estagflacionários, ou seja, causarão inflação mais alta com menor crescimento. Some-se a isso as restrições draconianas à migração, as deportações em massa de trabalhadores indocumentados, os grandes déficits fiscais não financiados e os esforços para interferir na independência do Federal Reserve dos EUA.

Some-se, também, o fato de que economia dos EUA seria afetada negativamente por um eventual “acordo de Mar-a-Lago” para enfraquecer o dólar. Mas isso não é tudo; eis que é requerido que se acrescente os danos ao estado de direito em casa e no exterior, ou restrições mais rígidas ao recebimento de talentos do estrangeiro – cientistas e estudantes – que vêm para os Estados Unidos a fim de estudar e pesquisar.

No entanto, tenho sustentado (desde o inverno passado) que a economia dos EUA estará em bom estado – não por causa das políticas de Trump, mas apesar delas. Para começar, naquele momento eu esperava que uma combinação de disciplina de mercado, conselheiros mais sensatos e a independência do Fed prevalecessem – ora, acho que isso grosso modo aconteceu. Trump tem consistentemente se acovardado e buscado acordos comerciais, em vez de seguir com suas tarifas propostas no dia da libertação.

O padrão de comportamento de Trump pode ser descrito pela sigla “TALO”, ou seja, Trump sempre ataca (Trump Always Lashes Out); contudo, a vigília dos mercados financeiros tem empurrado esse ator para um outro padrão, que tem sido descrito pela sigla TACO, ou seja, Trump sempre se acovarda (Trump Always Chickens Out).

Mesmo se as suas políticas econômicas mais prejudiciais assumirem uma forma mais branda, a economia dos EUA ainda sofrerá com elas. Contudo, o cenário provável para este final de ano está pintado por uma tendência recessiva (ou seja, em que crescimento ficará abaixo do potencial); não haverá, entretanto, uma recessão forte (que é normalmente definida como dois trimestres consecutivos de crescimento negativo).

Em segundo lugar, admitindo que os efeitos positivos da incorporação das novas tecnologia superarão os efeitos negativos das tarifas, pode-se dizer que a era do excepcionalismo econômico dos EUA não acabará neste ano. Os EUA – segundo penso – estão à frente nessa revolução em relação a todos os outros países do mundo – inclusive em relação à China –, pois detém a maioria das inovações revolucionárias que definirão o futuro.

Assim, o crescimento anual potencial da economia norte-americana provavelmente aumentará de 2% para 4% até o final da década; além disso, esse índice subirá ainda mais na década de 2030. Supondo que as novas tecnologias aumentem o seu crescimento potencial em 200 pontos-base, enquanto o comércio e outras políticas ruins o reduzam em 50 pontos, pode-se dizer que a América terá ainda um futuro excepcional. É, pois, o forte dinamismo do setor privado dos Estados Unidos, e não as políticas de Trump, que determinará as perspectivas de crescimento futuro.

Em terceiro lugar, se o crescimento potencial se acelerar em direção a 4% ao longo do tempo, as dívidas pública e externa dos EUA como proporção do PIB se mostrarão sustentáveis, estabilizando-se e depois caindo com o tempo. Ora, assim será, a menos que haja uma imprudência fiscal ainda maior. Embora o escritório de orçamento do Congresso projete um aumento da dívida pública em relação ao PIB, isso se deve ao fato de que pressupõe que o crescimento potencial dos EUA atingirá o pico de 1,8%.

Em quarto lugar, enquanto o excepcionalismo econômico americano prevalecer, é improvável que o “privilégio exorbitante” conferido pela primazia global do dólar seja corroído. Apesar das tarifas mais altas, os déficits externos dos EUA provavelmente permanecerão altos, uma vez que o investimento como proporção do PIB aumentará devido a um boom secular impulsionado pela tecnologia, enquanto a taxa de poupança permanece relativamente estável. O aumento resultante do déficit e da balança de transações correntes será financiado por entradas de capital (tanto investimento de carteira como investimento direto estrangeiro).

Nesse contexto, é improvável que o papel do dólar como moeda de reserva global seja significativamente desafiado, mesmo que haja alguma diversificação modesta dos ativos denominados em outras moedas. Da mesma forma, esses fluxos estruturais limitarão os riscos de queda da taxa de câmbio e podem até fortalecer o dólar no médio prazo.

Em suma, os EUA provavelmente se sairão bem no resto desta década, não graças a Trump, mas apesar dele. Não há dúvida de que muitas de suas políticas são potencialmente estagflacionárias. Mas os EUA estão no centro de algumas das inovações tecnológicas mais importantes da história da humanidade. E isso proporcionará um grande choque positivo de oferta agregada que aumentará o crescimento e reduzirá a inflação ao longo do tempo. Esse efeito tem provavelmente um peso maior do que os danos infligidos pelas políticas estagflacionárias do governo central.

Claro, não se deve ser complacente com políticas prejudiciais, pois o seu impacto negativo no crescimento econômico pode ser sério. Contudo, se os mercados e os donos das ações e dos títulos fizerem seu trabalho, os piores efeitos das políticas econômicas de Trump serão limitados.


[1] Nouriel Roubini, professor emérito de economia da Stern School of Business da Universidade de Nova York; ele é autor do livro  Megathreats: Ten Dangerous Trends That Imperil Our Future, and How to Survive Them (Little, Brown and Company, 2022).  Ele costuma publicar os seus artigos em seu sitio NourielRoubini.com