Autor : Imran Khalid [1] – SinPermiso – 06/04/2025
Na última década, houve uma profunda mudança no mundo acadêmico global que alterou fundamentalmente a hierarquia da pesquisa científica. Antes considerada um ator periférico na ciência de ponta, a China agora subiu para a vanguarda da excelência acadêmica. Os últimos rankings do Nature Index revelam uma tendência impressionante: nove das dez maiores instituições de pesquisa do mundo são agora chinesas, com a Universidade de Harvard sendo a única presença ocidental no alto escalão.
Essa transformação sísmica, à medida que o governo Trump está instituindo cortes profundos no financiamento de pesquisas e fechando o Departamento de Educação, ressalta não apenas as proezas científicas da China, mas também sua visão estratégica voltada para a liderança global em inovação e tecnologia. Para apreciar plenamente a ascensão meteórica da China, é preciso olhar para o cenário acadêmico de uma década atrás. Quando os rankings globais do Nature Index foram publicados pela primeira vez em 2014, apenas oito universidades chinesas entraram no top 100. Hoje, esse número mais do que quintuplicou, com 42 instituições chinesas agora entre as melhores do mundo, superando as 36 universidades americanas e as quatro universidades britânicas da lista.
Entre essas instituições, a Universidade de Ciência e Tecnologia da China (USTC) tornou-se um formidável centro de pesquisa. Agora está em segundo lugar globalmente, com um total de 2585 artigos de pesquisa de alto impacto e uma participação de contribuição de 835,02. Da mesma forma, a Universidade de Zhejiang, a Universidade de Pequim e a Universidade de Tsinghua consolidaram sua posição como líderes na arena acadêmica global, com pesquisas inovadoras em campos que vão desde a computação quântica até a energia renovável.
Uma análise mais detalhada dos dados do Nature Index revela que o domínio da China é particularmente pronunciado em química, ciências físicas e ciências da terra e ambientais. Somente em química, as universidades chinesas ocupam os 10 primeiros lugares, um feito surpreendente que reflete o compromisso do país com a pesquisa fundamental. Da mesma forma, nas ciências físicas, oito das 10 principais instituições são chinesas, indicando uma mudança nas prioridades de pesquisa em todo o mundo.
Enquanto os Estados Unidos continuam a liderar a pesquisa biomédica e translacional, a China está fechando rapidamente a lacuna. Instituições como a Universidade Jiao Tong de Xangai e a Academia Chinesa de Ciências estão fazendo avanços significativos em biotecnologia, genética e ciências farmacêuticas, campos tradicionalmente dominados por universidades ocidentais. O contraste na ênfase da pesquisa – o foco da China em engenharia e ciências aplicadas versus a força do Ocidente em pesquisa médica – ilustra como diferentes regiões estão se posicionando para a futura supremacia tecnológica.
A transformação da China em uma potência de pesquisa não foi acidental. É o resultado de decisões políticas deliberadas, investimentos financeiros substanciais e reformas sistêmicas destinadas a melhorar a qualidade acadêmica. De acordo com o Escritório Nacional de Estatísticas da China, os gastos com pesquisa e desenvolvimento (P&D) do país atingiram um recorde histórico de 3,61 trilhões de yuans (aproximadamente 500 bilhões de dólares americanos) em 2024. Isso representa um aumento anual de 8,3% e representa 2,68% do PIB da China, uma porcentagem que continua a aumentar de forma constante. Ao contrário do passado, quando o financiamento da pesquisa era escassamente distribuído por muitos projetos, o governo chinês adotou uma abordagem mais estratégica, canalizando recursos para áreas-chave como inteligência artificial, ciência dos materiais e exploração espacial.
Uma das mudanças de política mais notáveis foi o abandono dos critérios de avaliação baseados em publicação. Anteriormente, os acadêmicos chineses eram incentivados a publicar o maior número possível de artigos, muitas vezes às custas da qualidade. No entanto, reformas recentes introduziram um sistema de revisão por pares mais rigoroso que prioriza pesquisas impactantes e inovadoras em vez de mero volume. Essa mudança levou a uma melhoria significativa na credibilidade e influência global da produção científica chinesa.
Outro fator crucial no ressurgimento acadêmico da China tem sido suas estratégias agressivas de aquisição de talentos. O “Programa Mil Talentos”, lançado em 2008, atraiu com sucesso milhares de pesquisadores chineses e estrangeiros de primeira linha para as principais universidades do país. Ao oferecer salários competitivos, instalações de pesquisa de última geração e financiamento substancial, a China reverteu o fenômeno da “fuga de cérebros” e criou um ambiente no qual pesquisadores de primeira linha podem prosperar.
Além disso, as universidades receberam maior autonomia nas decisões de contratação, desenvolvimento de currículo e colaborações internacionais. Essa descentralização permitiu que as instituições fossem mais dinâmicas e responsivas às tendências científicas globais, acelerando ainda mais a ascensão da China como uma superpotência acadêmica. A crescente influência da China na academia não é apenas uma conquista intelectual, mas tem importantes ramificações geopolíticas. Os avanços do país em áreas como computação quântica, inteligência artificial e biotecnologia levantaram preocupações no Ocidente, especialmente nos Estados Unidos, onde os formuladores de políticas veem a ascensão científica da China como um desafio à supremacia tecnológica dos EUA.
Em resposta, Washington implementou uma série de políticas restritivas, incluindo controles de exportação de tecnologia avançada de semicondutores e limitações de visto para pesquisadores chineses. Em vez de desacelerar o progresso da China, no entanto, essas medidas apenas intensificaram o impulso do país em direção à autossuficiência. A recente revelação do modelo DeepSeek R1 AI, que rivaliza com o GPT-4 da OpenAI, apesar de ser desenvolvido com chips domésticos, é uma prova da capacidade da China de inovar sob pressão.
Além disso, as colaborações de pesquisa da China estão se estendendo além do Ocidente. Cada vez mais, as instituições chinesas estão formando parcerias com universidades na África, América Latina e Oriente Médio, promovendo uma nova ordem acadêmica que desafia o modelo tradicional de intercâmbio científico centrado no Ocidente. Essa mudança não está apenas fortalecendo a influência da China nos mercados emergentes, mas também está remodelando o cenário global de pesquisa de maneiras que eram inimagináveis há apenas uma década.
À medida que a China continua a consolidar sua posição como líder em pesquisa acadêmica, questões estão sendo levantadas sobre o futuro equilíbrio de poder na ciência global. Os Estados Unidos e a Europa serão capazes de recuperar seu antigo domínio ou terão que se adaptar a um mundo acadêmico multipolar onde a China desempenha um papel central? Embora as instituições ocidentais continuem a liderar em muitas áreas, a rápida ascensão da China demonstra que a excelência científica não se limita mais a um punhado de universidades de elite nos Estados Unidos e na Europa. A mudança não é apenas sobre números. Trata-se de influência, inovação e capacidade de definir a agenda para o futuro da ciência e da tecnologia.
[1] Analista geoestratégico e colunista de assuntos internacionais. Seu trabalho foi amplamente publicado por prestigiosas organizações e publicações internacionais de notícias.

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