Publica-se em sequência um trecho do livro L´obscurantisme contemporain em que Pierre Fougeyrolas trata da diferença entre o método dialético e o método estruturalista. O texto versa sobre uma questão crucial: o que é um sistema? [2] O estruturalismo diz que um sistema está estruturado por um conjunto de regras de interação social que ele se julga capaz de desvendar.
A dialética diz que um sistema é uma totalidade em devir constituída a partir de determinadas relações sociais, vinculações contraditórias que unem/separam os indivíduos, bases internas, essenciais, sobre as quais as interações aparentes acontecem. Em consequência, como salientou Ruy Fausto, o estruturalismo opera por meio de totalizações feitas a partir de observações empíricas; já a dialética vai da aparência para a essência, opera por meio de reduções do que aparece ao que é. [3]
Método dialético e método estrutural
Autor: Pierre Fougeyrollas [1]
Uma apreciação justa dos esforços de Lévi-Strauss exige a consideração do método que ele escolheu promover. É, portanto, com a análise e síntese estrutural que devemos nos preocupar agora.
Encontramos em Tristes Trópicos uma indicação muito interessante a esse respeito: o conjunto dos costumes de um povo estão sempre marcadas por um estilo; e eles formam sistemas. Estou convencido de que estes sistemas não existem em número ilimitado. E que as sociedades humanas, assim como os indivíduos – em seus jogos, em seus sonhos e em seus delírios – nunca criam de modo absoluto, mas se limitam a escolher certas combinações de um repertório ideal que seria possível reconstruir.
O ideal epistemológico desse autor, portanto, consiste em fazer o inventário e em definir as formas possíveis de sociabilidade, e não em apresentar as formas de sociabilidade tais como se desenvolveram e como existem. Depois disso, descendo então da lógica ao real, ele reconheceria aquelas formas que as sociedades efetivamente adotaram.
A ideia, contudo, não é nova. De Raymonde Lulle a Gottfried W. Leibniz, a tradição matemática e linguística se desenvolveu buscando dissolver a opacidade do dado natural e cultural na transparência de um saber lógico preeminente. Contudo, esse antropólogo acredita ter virado as costas a esse tipo de especulação filosófica, que tem como “característica universal”, dela inseparável, esse logicismo compulsivo.
Que significado podemos atribuir cientificamente a esse modo de “escolha” ou de “adoção” ao qual diversos grupos humanos se esforçaram já, inconscientemente, para reter? E eles os “escolheram” entre os possíveis e seus compostos, ou seja, as combinações linguísticas, as estruturas de parentesco, os sistemas dos costumes, os quais, aliás, são precisamente aqueles que eles já têm.
O que é uma escolha inconsciente? Em que consiste uma opção, tal como é referida em certo jargão contemporâneo, ou seja, uma opção inconsciente? Em verdade, a psique inconsciente, tal como Freud a encara, não faz escolha alguma; o consciente crê escolher sem saber sobre as causas fundamentais dessa escolha.
Mais globalmente, os grupos humanos em geral e, a partir de um certo momento histórico, as classes sociais, estão atravessados pelo movimento dialético das forças produtivas e das relações de produção. Aquilo que Levi Strauss chamada de “costumes possíveis” ou, mais geralmente, de formas de sociabilidade possíveis a priori, não têm nenhuma existência lógica anterior à realidade dos costumes e das formas sociais existentes.
Os costumes, as instituições e as normas de uma determinada sociedade não provém do que seria possível. São elas, ao contrário, que se constituem como parte da representação, isto é, da ideologia da sociedade existente. O real só vem do possível na ilusão metafísica; na verdade, é o possível que procede do real, porque o real não é uma possibilidade realizada entre outras possibilidades, por sua vez, não realizadas. A realidade, natural ou social, é sempre um processo dialético cujas contradições internas geram movimento. Destas contradições são discerníveis as potencialidades, as possibilidades – e não o contrário.
Lévi-Strauss pode muito bem se defender da acusação de formalismo. Contudo, como foi visto, as suas afirmações colocam-no no antigo terreno do formalismo. Além das sombras de Lulle e Leibniz, parece-nos que os espectros de Simmel, Von Wiese e Gurvitch assombram o seu universo intelectual. Não o admite ao declarar: como Durkheim parece por vezes ter vislumbrado, é numa “sócio-lógica” que reside o fundamento da sociologia.
Para esse antropólogo existe uma diferença essencial entre o seu trabalho e o de Simmel, Von Wiese e Gurvitch. Estes sociólogos, de fato, nunca aplicaram o seu método ao estudo de sociedades específicas; seus trabalhos permanecem especulativos. Por outro lado, Lévi-Strauss, desde a época em que trabalhou entre os Nambikwara, é um homem que vai ao campo; ademais, os seus trabalhos mais recentes denotam uma vontade de aplicar o seu método a diferentes casos concretos dos mitos ameríndios.
A estrutura que é o aparato cognitivo por meio do qual pretende apreender a realidade humana, pelo menos alguns dos seus aspectos; não se trata simplesmente de um todo, mas de uma totalidade cujas partes são apenas o que são porque são partes deste todo. Trata-se de uma estrutura se o arranjo atende a duas condições especificas: é um sistema regido pela coesão interna; e esta coesão, inacessível mediante a observação de um sistema isolado, revela-se apenas no estudo das transformações graças às quais encontramos propriedades semelhantes em sistemas aparentemente diferentes.
É, portanto, apropriado distinguir rigorosamente a estrutura, no sentido que lhe deu Lévi-Strauss, da totalidade enquanto um conceito regulador não só do formalismo de Von Wiese, mas também do funcionalismo de Malinowski. Como sistema, a estrutura, considerada do ponto de vista formal, não é um simples todo; vem a ser aquela espécie particular de totalidade cujo arranjo de partes, cuja interdependência, se mostra como uma necessidade; em outras palavras, precisa dessa forma de estruturação para não deixar de ser o que é. Ao separar-se do funcionalismo, o estruturalismo assim proposto já é um sistemismo.
Compreendemos a irritação de Lévi-Strauss quando confrontado com Gurvitch, que lhe fala da estrutura social e a identifica com a sociedade global; ora, a análise estrutural se esforça primeiro por discernir diversas estruturas dentro do todo social. Mas se Lévi-Strauss distingue estruturas, ou seja, sistemas dentro de cada sociedade, Gurvitch, por sua vez, propõe níveis ou “etapas” da realidade social. A discriminação entre o estruturalismo e esse formalismo mais antigo não se encontra aí.
Situa-se, em nossa opinião, no esforço de Lévi-Strauss de pensar as estruturas – ou os sistemas – com base nas transformações que, fundamentalmente, lhes conferem objetividade e relevância. Obviamente, é a teoria matemática dos conjuntos que serve de referência aqui, pois as propriedades inerentes aos conjuntos e seus elementos provêm de transformações geradoras.
[N.T.: O autor está falando aqui de um uso possível da teoria dos conjuntos. Ele fala de conjuntos em que se pode encontrar uma estrutura. Eis que os elementos desse tipo de conjunto são gerados, por exemplo, por uma função descontínua no campo dos números naturais. No entanto, podem existir conjuntos cujos elementos são aleatórios. ]
Parece-nos, portanto, que Lévi-Strauss, no que diz respeito à concepção matemática das transformações constitutivas dos conjuntos, procede do mesmo modo, aliás, no que diz respeito à concepção linguística dos sistemas fonológicos, a saber, analogicamente. De fato, para ilustrar a sua referência essencial às transformações, ele diz: A característica de um sistema de signos é ser transformável, por outras palavras, traduzível para a linguagem de outro sistema por meio de substituições.
A antropologia estrutural, em sua procura por estruturas, apoia-se, portanto, num tipo de transformação de natureza linguística que consiste na tradução ou, se se preferir, na tradução de uma relação que se apresenta em um sistema para outro sistema. Assim, Lévi-Strauss aproxima-se, a ponto de tocá-lo, do processo enquanto formado pela unidade entre teoria e prática a partir da prática. Porque as transformações são práticas a partir das quais tal unidade é possível, como mostra o exemplo da matemática atual. Mas, no último momento, escorregou para o simbolismo que, assim, se tornou o substituto epistemológico da realidade social.
A sua concepção das transformações que poderiam tê-lo levado, se a tivesse levado até ao fim, ao método do materialismo histórico; no entanto, ela permanece analógica [e se funda em analogias formais]. Oferece as traduções de uma língua para outra como evidências que permitem postular o caráter simbólico como o caráter constitutivo da realidade social. Invencível, o formalismo reaparece num nível superior ao do funcionalismo ou, se preferir, de forma mais sutil. Mas ele reaparece de qualquer maneira.
Não criticamos o método estrutural porque ele se atém a objetos abstratos, trabalhado sobre eles para neles tentar descobrir leis. Toda a ciência deve proceder desta forma e romper, de forma deliberada, com o imediatismo dos dados sensíveis. Isto é o que Marx chama de marcha em direção ao “pensamento concreto”. Criticamos o método estrutural pela sua arbitrariedade que consiste em escolher as práticas linguísticas como base de referência em vez das práticas produtivas e autoprodutivas do trabalho social.
Sem negar a importância da linguagem, sem subestimar o alcance do simbolismo que envolve todas as atividades humanas, uma questão crucial deve ser colocada: deveríamos estudar os fenômenos humanos com base nas práticas produtivas pelas quais os seres humanos criam os seus meios de subsistência e se criam eles mesmos como seres sociais em toda a complexidade do seu comportamento simbólico, ou deveríamos estudar esses mesmos fenômenos com base nas práticas linguísticas presentes em todos os lugares? Dependendo se adotamos a primeira ou a segunda atitude, procedemos de forma marxista ou de forma estruturalista. E entre o estruturalismo e o marxismo existe uma incompatibilidade absoluta.
O fundador da antropologia estrutural confirma essa tese, de forma bastante involuntária, no seguinte texto: os costumes referem-se às crenças, e estas referem-se às técnicas; mas os diferentes níveis não se refletem simplesmente: reagem dialeticamente entre si, de tal forma que não podemos esperar conhecer apenas um deles, sem primeiro termos avaliado, nas suas relações de oposição e respectivas correlações, instituições, representações e situações. Em cada um dos seus empreendimentos práticos, a antropologia apenas revela uma homologia estrutural, entre o pensamento humano em exercício e o objeto humano ao qual se aplica. A integração metodológica do conteúdo e da forma reflete, à sua maneira, uma integração mais essencial: a do método e da realidade.
Costumes, crenças, técnicas aparecem indicadas aqui como níveis de realidade social. Mas trata-se, na verdade, da aparência da sociedade e não do movimento constante por meio do qual e no qual ela se torna o que é. Por que as formas de propriedade e as relações sociais de produção que elas expressam são omitidas? Sem dúvida poderemos, se quisermos, pesquisá-los e discerni-los, com base nas técnicas, nos costumes e nas crenças. Mas, uma vez que a dialética social nos é apresentada por meio do que é acima de tudo um jogo de aparências, como seríamos metodologicamente capazes de descobrir o “pensamento concreto” inerente e característico de uma sociedade capturada aqui e agora?
É verdade que somos convidados a passar do tríptico costumes-crenças-técnicas para um segundo tríptico: instituições-representações-situações, ao nível do qual a antropologia estrutural se propõe trabalhar. Mas este novo tríptico exige três observações.
Em primeiro lugar, a sociologia, com Lévi-Strauss bem notou em diversas ocasiões, conserva o carácter não científico; mantém, assim, a incapacidade, pelo menos atualmente, de se estabelecer como ciência. O seu objetivo era, por excelência, estudar as instituições. O objeto central da obra de Durkheim e de Weber consistem em entender as instituições.
Por outro lado, para o materialismo histórico, as instituições pertencem, com as ideologias, à superestrutura da vida social, e só podem ser estudadas cientificamente a partir da infraestrutura, isto é, a partir das relações de produção subjacentes às formas de propriedade e às oposições resultantes, incluindo a luta de classes quando a divisão de classes iniciou o seu trabalho histórico.
Colocar o estudo das instituições como objeto principal do método estrutural é virar as costas a Marx e Engels e permanecer prisioneiro dos esquemas ideológicos durkheimianos, weberianos, parsonianos ou mesmo gurvitchianos.
Em segundo lugar, as representações eram consideradas pela sociologia clássica como as forças que animavam as instituições. Afinal, não proclamou Comte que as ideias conduzem o mundo. Sabemos que, para Lévi-Strauss, é antes uma mente inconsciente ou leis inconscientes da mente humana que são a fonte secreta de combinações de elementos estruturais que governam o desenvolvimento da vida nas sociedades.
Mas a questão decisiva não é a da relação entre o inconsciente e a consciência nas representações sociais; consiste, de fato, na relação entre, por um lado, estas representações e as instituições às quais estão ligadas, e, por outro lado, no funcionamento das relações de produção existentes.
E a teoria marxista das ideologias permite-nos compreender como este funcionamento das relações de produção conduz, nas representações sociais, a distorções, inversões e, para usar uma linguagem da moda, diversas ocultações. Neste segundo ponto, não parece que a antropologia estrutural tenha rompido fundamentalmente com a problemática inteiramente ideológica da sociologia clássica.
Terceiro, o que significa o termo “situação” que aparece no final da sequência que estamos estudando? É a posição de um grupo ou sociedade no espaço (em relação a grupos ou sociedades próximas ou distantes) e no tempo (em relação aos seus momentos históricos anteriores ou aos seus momentos potenciais e, em certa medida, previsíveis)?
O texto não o afirma, mas há um problema que permanece: ele consiste em saber sobre o futuro do grupo ou da sociedade. Seria um insulto para Lévi-Strauss afirmar que ele não sabe disso. A análise estrutural, embora considere os fenômenos sociais mais na sua sincronia do que na sua diacronia, pretende dominar estes os sistemas nessa dupla de dimensões.
A partir do momento – isto é, no início do nosso século – que a sociologia e a antropologia se comprometeram a romper com o evolucionismo herdado de Darwin, Morgan e Spencer, ela se tornou cada vez menos capazes de compreender o futuro sócio-histórico. A antropologia estrutural não inova, neste aspecto, em comparação com a escola funcionalista; na verdade, ela só agrava as dificuldades que esta escola já tinha encontrado para apreender o futuro das sociedades.
Para além destas observações, é a famosa homologia estrutural entre o pensamento humano em atividade e o objeto humano para o qual o primeiro se volta, que irá reter a nossa atenção. Pois, por meio desta fórmula, Lévi-Strauss vem nos dizer que a invenção de estruturas, tarefa a que se dedica a sua antropologia é, na verdade, uma descoberta.
Certamente, ele critica Radcliffe-Brown, cujo empirismo faz da estrutura uma parte integrante da realidade natural e social. Ademais, ele considera a estrutura, inicialmente, como uma abstração vinda da mente do pesquisador que generaliza e formaliza os materiais fornecidos pela etnografia. Mas, num segundo momento, se a estrutura for legitimada como um sistema objetivo, graças às transformações, isto é, às traduções de uma língua para outra, então ela própria “provará” que é tanto uma estrutura inerente ao sujeito que a procura como uma estrutura inerente ao objeto encontrado.
De onde vem essa “homologia”, dado que as práticas subjacentes à atividade intelectual do investigador são práticas exclusivamente linguísticas, ou seja, intelectuais? Ela vem, só pode vir do famoso presente não convidado, nomeadamente da mente humana em ação simultânea e homóloga no pesquisador e na vida social estruturada pelas “leis inconscientes” dessa mente. E aqui chegamos ao fundo da questão ou, se preferirmos, a esta inevitável questão do materialismo e do idealismo, uma questão que o marxismo resolveu e na qual o pensamento burguês tropeça constantemente.
Ou admitimos, com Marx e Engels, que toda a realidade natural e humana é, em essência, material e que as contradições constitutivas desta realidade são geradoras de seu devir; nesse caso, a dialética na natureza e na história é aquilo com que o conhecimento deve se conformar, permitindo que sua própria lógica imanente se desenvolva, a fim de alcançar a verdade do que é e, ao mesmo tempo, a sua operacionalidade.
Ou então, recusamos o materialismo dialético e, assim, ficamos condenados a sustentar um antropomorfismo irrisório que consiste em projetar, de modo fantasmático, a mente humana na realidade natural e na realidade social. Nesse caso, a realidade constantemente ameaça se tornar ininteligível para nós. A antropologia estrutural é uma manifestação sociológica e historicamente explicável do idealismo contemporâneo.
É o seu fundador quem confirma isso ao escrever: uma sociedade é constituída por indivíduos e grupos que se comunicam entre si. Nada nos parece mais falso. Porque os indivíduos e os grupos são antes aquilo que o devir da sociedade, por meio de seu modo de produção, faz deles. Além disso, longe de definir-se a sociedade, os fenômenos de comunicação, mesmo entendidos em sentido lato, são definidos com base no modo de produção ou modos de produção desta sociedade.
Por exemplo, para descobrir o mais-valor, cuja produção domina inteiramente a vida das sociedades capitalistas, Marx teve de passar da esfera da circulação, que é a das trocas e das comunicações, para a esfera da produção. A frase anterior de Lévi-Strauss, ao nos trazer de volta da produção para a comunicação, nos faz ficar em um lugar abaixo daquele atingido por Marx.
Tal crítica não o perturba; algumas linhas depois, esse autor escreve: Em qualquer sociedade, a comunicação ocorre pelo menos em três níveis: comunicação das mulheres; comunicação de bens e serviços; comunicação de mensagens. Consequentemente, o estudo do sistema de parentesco, do sistema econômico e do sistema linguístico oferece certas analogias. Inquestionavelmente, a comunicação estabelece-se aqui como um processo privilegiado de conhecimento da realidade social. Mas não deveríamos “antes” produzir e atuar para se comunicar e para trocar?
Além disso, por que se tem um tal resultado? Por que em uma sociedade qualquer (Lévi-Strauss diz que isso se dá em “toda a sociedade”), as mulheres deveriam ser meios de comunicação, ou seja, meios de troca? Não há aqui um enigma do estruturalismo que os movimentos de libertação das mulheres deveriam esclarecer, abolindo-o como tal? Finalmente, a analogia – afirmada existir entre o sistema de parentesco, o sistema econômico e o sistema linguístico – mostra bem que o estruturalismo, atrasado em relação ao marxismo, se baseia em analogias.
Eis que uma dialética complexa prevalece entre o modo de produção e os vários aspectos da vida social. Há, pois, uma dialética central e decisiva entre as relações sociais de produção (infraestrutura) e as instituições e ideologias (superestrutura, a que se constitui historicamente por meio da luta de classes. Em última análise, o estruturalismo, ao reivindicar homologia e ao proceder por analogia, torna-se incapaz de utilizar significativamente os conceitos de estrutura e sistema que acredita serem os meios da sua epistemologia.
Podemos basicamente perguntar-nos se Lévi-Strauss, como outrora Gurvitch, não permaneceu prisioneiro de um certo problema da sociologia do século XIX, aquele dos “fatores sociais”? Um problema que a sociologia do século XX pensava ter de ultrapassar?
Sorokin explicou muito bem que as disputas que colocaram os sociólogos uns contra os outros, desde a época de Comte até a de Durkheim e Weber, giraram essencialmente em torno da questão dos fatores dominantes ou determinantes. Foram tais fatores étnicos, técnicos, econômicos, especificamente sociológicos, geográficos, demográficos, ecológicos, culturais ou políticos aqueles que controlavam principalmente o funcionamento e o desenvolvimento das sociedades?
Em relação a este problema de “filosofia social”, diríamos de caráter ideológico, surgiram duas linhas de conduta. Marx e Engels, que sempre recusaram o termo sociologia, consideraram que esta pluralidade de fatores provinha da multiplicidade de disciplinas acadêmicas e de formas variadas da mesma ideologia burguesa, e não da realidade social objetivamente considerada.
Para eles, como já indicamos, a organização e o desenvolvimento de uma sociedade manifestam-se a partir do modo de produção característico desta sociedade; quanto à natureza e ao funcionamento das instituições e das ideologias, elas procedem das relações sociais de produção, ao mesmo tempo que reagem sobre elas. Nessa perspectiva, não há mais disputa entre fatores – não nem mesmo fatores –, pois esse termo se refere a uma concepção mecanicista da vida social.
Os sociólogos, como ideólogos da burguesia têm sido incapazes de adoptar o método de análise e de síntese dos processos sócio-históricos que é, de fato, inseparável da experiência contínua do movimento revolucionário dos trabalhadores. Insatisfeitos, aliás, com o “problema dos fatores sociais”, chegaram a uma solução especulativa, isto é, ideológica, que consistia em afirmar que, dependendo do tempo ou do lugar, as sociedades eram dominadas quer por fatores étnicos e demográficos, quer por fatores políticos, ou por fatores econômico-sociais, ou por fatores ideológicos, ou finalmente por fatores técnicos. A recusa fundamental do marxismo combinada com a necessidade de utilizar elementos isolados do seu contexto levou Gurvitch a uma teorização confusa e eclética que chamou de “hiperempirismo dialético” e que reinou na Sorbonne durante anos.
Num certo sentido, é contra este lamentável estado da sociologia que Lévi-Strauss quis reagir com a sua antropologia estrutural. Mas o fato de nos oferecer, sem decidir a respectiva importância operacional, o sistema de parentesco, o sistema econômico e o sistema linguístico, como se as analogias que aparecem entre eles fossem uma explicação suficiente, não testemunha a persistência de um certo ecletismo? O que vem a ser, tanto para ele quanto para Gurvitch, apenas uma recusa do materialismo histórico como método necessário e suficiente para o estudo científico dos processos sociais?
Finalmente, para voltar ao estruturalismo, é essencial indicar o que opõe Lévi-Strauss a Marx na concepção de estrutura e sistema. Em Marx, de fato, a sociedade capitalista é efetivamente pensada a partir de um sistema que consiste no próprio modo de produção, em todas as relações que ligam este modo de produção a todos os aspectos da vida social, finalmente nas relações centrais e decisivas existentes entre a infraestrutura e a superestrutura.
Mas a característica deste sistema global ou destes sistemas subordinados é que o seu conteúdo são as contradições que opõem os seus elementos uns aos outros. O capital, por exemplo, é uma relação social cujos termos, a classe burguesa e a classe trabalhadora, são radicalmente contraditórios ou, se preferir, antagônicos. Em suma, o conteúdo real das categorias totalizantes, estruturantes ou sistematizadoras utilizadas por Marx consiste sempre em apontar uma contradição.
Em Lévi-Strauss, pelo contrário, a estrutura e o sistema, pensados apenas em termos de ordem, são vazios de contradições internas e são, por isso, incapazes de nos fazer compreender o devir incessante de que são vítimas todas as sociedades, mesmo aquelas que são descritas como residuais, traumatizadas e atrofiadas. É sem exagero que se pode dizer que, se nosso autor acaba com oposições dicotômicas constituindo impasses para sua pesquisa, ele não recorre nunca a contradições no sentido dialético do termo. O que ele chama de “dialética estrutural” parece-nos ser apenas uma forma da abordagem dicotômica [marcadas por interações – e não por contradições].
Como se sabe, é fora de dúvida que mantivemos uma disputa desagradável com Lévi-Strauss, na qual o acusamos de favorecer a sincronia a tal ponto que o seu método seria incapaz de considerar seriamente a diacronia. Defendeu-se indicando que, nesta questão, a antropologia estrutural pretendia diferenciar-se da linguística saussuriana, pois é esta que se preocupa exclusivamente com a ordem sincrônica.
Ora, não é aí que se encontra o coelho dentro da cartola – tal como vemos agora.
[Tal coelho] está antes, se ousarmos expressá-lo desta forma, na concepção segundo a qual a diacronia e a sincronia são essencialmente dimensões da ordem. A partir daí é de fato possível a consideração do tempo que passa, assim como, também, dos efeitos sobre as estruturas, assim como dos elementos desse desdobramento diacrônico.
Mas o devir, isto é, aquilo no qual e pelo qual uma realidade se torna outra ou, mais precisamente, se torna o que é, por meio da oposição interna do mesmo e do outro, é literalmente impensável. O que falta a Lévi-Strauss não é o uso da diacronia – é a compreensão do devir como um processo resultante de contradições internas que constituem a realidade.
Não há razão para opor o pensamento que utiliza categorias de estrutura ou de sistema ao pensamento que não as utiliza; porque este último afundaria numa forma de empirismo ou de representação fluida que beirava a impotência intelectual.
Ao contrário, há necessidade hoje de opor radicalmente um pensamento que usa as categorias de estrutura e de sistema e que admite as contradições internas como constituintes que lhe são próprias (o que faz a dialética materialista) e um pensamento que acredita que pode usar as categorias de estrutura e de sistema, supondo que os conteúdos contraditórios não existem ou que não oferecessem grande interesse epistemológico (que é o método estrutural que se transforma, apesar de si mesmo, numa ideologia estruturalista).
[1] Professor emérito de Sociologia na Universidade de Paris VII. Foi o autor de numerosos ensaios como “The Nation. Ascensão e Queda das sociedades modernas”, “A Revolução freudiana”, “A Metamorfose da crise.
[2] Ver Prado, Eleuterio F. S. – O todo e as partes: a questão da emergência. In: Economia e Complexidade. Tomo III. Plêiade, 2014.
[3] Ver Fausto, Ruy – Dialética, estruturalismo, pré(pós)-estruturalismo. In: Dialética Marxista, dialética hegeliana: a produção capitalista como circulação simples. Paz e Terra/Brasiliense: 1997.

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